mudança

De um jeito muito sem querer, como convém, fui convidado a participar de uma das iniciativas mais felizes da blogosfera brasileira.No último post, em meio a comemorações, rosângelas e soluços, Tiago Casagrande, parceiro de Leandro Gejfinbein, me chamou para a Verbeat.Depois de alguns dias de construção do blog, em que deixei el_rey confuso com a demonstração das minhas incertezas,  quase fazendo com que desistisse do intento, está pronto, limpo e cheirando a novo.Por favor, apontem seus bookmarks e seus leitores de feeds para o novo endereço:  

http://www.verbeat.org/blogs/aldurin

Lá Fhéile Pádraig*

que se a vida fosse justa, o dia de São Patrício também seria comemorado aqui no Brasil. os argentinos comemoram, e muito.

como, infelizmente, não é, faço votos; obviamente que pela cerveja e pela festa.

porque, sabe o que andam dizendo sobre o parentesco genético entre os bascos, os celtas e os ibéricos, não sabe? (lê aqui.) de maneira que, não fossem minhas preferências religiosas, digo, futebolísticas, sairia amanhã com meu chapéu de veludo verde e um trevo de três folhas adornando minha lapela.

(isso de tingir o rio, como fazem em Chicago, acho que também não daria muito certo no nosso bom e velho Tietê.)

Chicago river green

de qualquer maneira:

viva a Irlanda… viva… (e um suspiro emocionado.)

* Dia de São Patrício, em gaélico irlandês

____

lá no bereteio do Tiagón pra alguns saltos e no Gejfin para o puro malte, a rosângela ou Las Vegas.

Free Tibet

Teríamos um mundo melhor se o Tibet fosse livre. A afirmação contém grandes doses de paixão, certamente. Não é pra menos, já que aqui escreve uma pessoa que nutre profundo respeito por aquele país – e por seu povo.

O nosso olhar ocidental em relação à sucessão dos fatos históricos nos impede de compreender o mundo de uma maneira minimamente semelhante a como os orientais o fazem. Temos correndo nas veias o imediatismo das soluções intempestivas e rápidas – nem sempre limpas –; cuja explicação certamente passa por nossa “juventude”. Enquanto deste lado do planeta nos acostumamos à preocupação e à precaução extremas, antecipando os passos alheios e, literalmente, exterminando qualquer possibilidade de ação do, assim dito, inimigo, os povos do Oriente aprenderam a respeitar o tempo e suas caprichosas reviravoltas.

Enxergamos o tempo histórico como uma linha – e isso nos dá subsídios para acreditar piamente que o que existe neste momento será meramente superado por algo que ainda está por vir. Ou seja, que, indelevelmente, haverá o progresso e que esse progresso é sinônimo de mudança, evolução, revolução… Nada mais falso. A historiografia ocidental está cheia de exemplos e de corroborações absolutamente em contrário.

A língua tibetana separou-se do chinês quatro mil anos antes de começar a chamada Era Comum. Por cinco séculos, do sétimo ao décimo primeiro, o Tibet foi um império consolidado, que ia do golfo de Bengala, na Índia, até muito perto da Mongólia. Durante um curto período, em 763 EC, quando a China enfrentava séria convulsão social, tibetanos estiveram no trono de Chang’an (atual Xi’an). O budismo tibetano é praticado desde o quinto século, inclusive em lugares para além do Tibet, como a Mongólia, partes da China, da Rússia e da Índia. A organização social do país é totalmente baseada em tais ensinamentos religiosos; a “dinastia” dos dalai lamas (literalmente, “oceanos de sabedoria”) está aí desde o século 14 – ao mesmo tempo guias espirituais (umas vez que reencarnações do Avalokiteśvara, a encarnação da bodhisattva da “suprema compaixão de todos os budas”) e chefes de governo de toda a região histórica do Tibet.

Trata-se, portanto, de uma riquíssima e antiqüíssima história. Essa dimensão histórica imensa confere aos tibetanos (e aos orientais de uma forma geral) uma visão ampla, sem antolhos, de tudo o que acontece. Inclusive, é conhecido o episódio em que um imperador chinês, em resposta a um ministro desesperado com a iminente invasão mongol, lhe sugere paciência pois os agressores acabarão indo embora – como tantos outros antes deles, como tantos outros depois deles. Uma invejável capacidade de compreensão que milênios de história conferem a certas civilizações. Realidade completamente distinta da que nós outros, ocidentais, experimentamos.

PotalaA idéia da compaixão para com todos os seres vivos, tão cara ao Budismo em todas as suas variações, é o baluarte da conduta daquele povo. Há séculos cultivando a não-violência, os tibetanos encontraram meios de sobreviver em sintonia com o ambiente inóspito do platô himalaico (uma região com altitudes sempre superiores a 3,000 metros, que permanece congelada durante metade do ano, com níveis de precipitação variando entre 100 e 300mm e temperaturas que atingem -40°C no inverno), especialmente mantendo hábitos herdados do nomadismo; refinando suas tradições culturais – como a própria religião –; construindo maravilhas, como o Palácio Potala (antiga residência do Dalai Lama, na antiga capital, Lhasa) ou as mandalas feitas com areias coloridas (trabalhos incríveis, demorados, cuidadosos – que são sistematicamente destruídas, assim que terminadas).

A atual Região Autônoma do Tibet (TAR, a sigla inglesa), expressão territorial do domínio chinês sobre o país, não corresponde totalmente às regiões tradicionalmente entendidas como Tibet (e consideradas uma nação independente e soberana pelo Governo Tibetano no Exílio). Duas delas, Ü-Tsang e Kham estão incluídas, uma terceira, Amdo, no nordeste, foi repartida por outras províncias chinesas. É o resultado final das políticas presentes no infame “Plano dos 17 pontos para a libertação pacífica do Tibet“, de 1951. Este plano propunha a soberania conjunta de tibetanos e chineses sobre o território tradicional – o que, na prática, não aconteceu. Em 1959, em função da desobediência dos termos por parte dos tibetanos (que se revoltavam nas regiões de Kham e Amdo), os chineses invadem Lhasa. Nesse contexto, o 14º Dalai Lama, Tenzin Gyatso, foge em exílio para a Índia, e passa a representar o Tibet livre a partir de Dharamsala, onde comanda o Governo do Tibet no Exílio. A invasão, apesar de encontrar pouca ou nenhuma resistência armada dos tibetanos (cujo exército contava algo em torno de cinco mil homens, concentrados em Kham), gerou uma onda de terror e morte por todo o país. Episódios terríveis de filhos obrigados a matar os próprios pais, monges e monjas obrigados a terem relações sexuais nas ruas, assassinatos, torturas, enfim, são amplamente conhecidos e documentados.

Em agosto os Jogos Olímpicos chegam à China. Pequim está se aprontando para mostrar ao mundo o que de melhor o sucesso econômico chinês pode oferecer – aos atletas, inclusive. Todos os olhares estarão voltados a uma nação que, à semelhança do Tibet, tem uma história vastíssima – bordejando o próprio surgimento da humanidade. Qual melhor momento do que este os tibetanos teriam para gritar por socorro e serem vistos? Nenhum. Eles sabem disso. O governo chinês também. E não tem deixado passar incólumes os protestos que têm ocorrido em Lhasa nos últimos dias. Reportagem na BBC nos diz que já são 10 os mortos nos protestos que tiveram seu ápice nesta sexta-feira. Protestos rechaçados com “força excessiva” pelo governo chinês (indiano, nepalês). Nas contas do Governo tibetano, o número chega próximo a 100.

Se houvesse um Tibet livre, este seria um mundo melhor. No entanto, o mundo espera pacientemente a boa-vontade da China para que trate os protestos por liberdade de um povo oprimido “sem fazer qualquer uso excessivo da força na manutenção da ordem”, nas palavras do alto-comissariado da ONU para os Direitos Humanos. E são apenas palavras.

Num ultimato, alguns atletas se recusam a participar dos Jogos – atitude louvável, uma vez que estar na Olimpíada é o sonho máximo de qualquer pessoa que dedica a vida ao esporte. O boicote aos jogos é sugerido por um grupo formado por estudantes americanos, sediados em Nova York (aqui o blog), associado ao Movimento Internacional Tibet Independente (ITIM) e ao Free Tibet.

O tom moderado das críticas da comunidade internacional parecem deixar claro que aos tibetanos resta apenas esperar pelo “menos pior”. As autoridades chinesas novamente utilizam força militar contra a população – uma vez que suas tentativas de apaziguar os ânimos tibetanos não surtiram muitos efeitos. Uma moderna ferrovia foi construída em 2006, ligando Lhasa às províncias chinesas do leste; a capital ainda recebeu inúmeras modificações, especialmente nos arredores dos dois patrimônios mundiais escolhidos pela UNESCO: os palácios Potala e Norbulingka, antiga residência de verão do Dalai Lama. Nada disso, no entanto, resolveu o problema da dominação chinesa; muito pelo contrário, uma vez que apenas a aprofunda, criando condições melhores para a permanência em território tibetano de pessoas da etnia han, o maior grupo étnico da China.

Aparentemente, estamos novamente perdendo a chance de pressionar o governo chinês a reconhecer a independência do Tibet. Um misto de inércia e má-vontade políticas – já que nenhum país é realmente auto-suficiente para enfrentar a poderosa China numa questão que, ademais, se refere a uns quantos monges, no alto de umas montanhas…

____

Sites de interesse

Gostaria de dizer, também, que coloquei a maior parte dos links deste post na direção da Wikipédia porque, apesar de alguns comentários em contrário (brincadeira, Idelber!), a ferramenta é um poço infinito de informações. Os verbetes selecionados contêm pequenos erros, mas o essencial (e um pouco mais) está lá; pequenos descompassos entre fontes de informação sempre houve, em qualquer meio. Acredito na Wikipédia, e mais, acredito na auto-regulação da Rede. Amém?

___

Um adendo. Às 2h19 do domingo.

Pedro Dória ainda agora escreveu um post sobre a situação no Tibet. Lúcido e objetivo, como sempre, mostra a sinuca de bico em que Pequim se meteu: precisa intervir, posto que há uma dezena de outras minorias que se aproveitariam de um tropeço estratégico; porém, não pode repetir, hoje, o massacre da Praça da Paz Celestial, de 1989.

Eu, de minha parte, torço pra que os chineses errem, que fraquejem, que temam a repercussão de uma ação extrema e violenta contra Lhasa. Quero que o Tibet se liberte, como quero que Xinjiang se liberte.

Também de minha parte, temo os comentários ao post do Pedro Dória. O blog é indispensável, os comentaristas, um bando de gralhas. Um deles, que assina Dino, já me saiu com esta:

Será que vão aparecer os ateus e se posicionarão contra uma teocracia, ou no Irã não e no Tibet pode? Que eles se misturem com a etnia Han e virem tudo chineses e gozem da prosperidade… Vão viver de que mesmos sem os chineses? Vender fotos do Dalai Lama?

É tanta falta de saber o que diz, que eu mal saberia por onde começar. E é isso que me preocupa. Outros já abandonaram os comentários do Pedro Dória… começo a entender o porquê.

inconveniente

tenho aqui um punhado de sozinho. um punhado disforme de sozinho, que se não houver protestos em contrário, e não haverá, colocarei sem muito jeito em cima da mesa.

não sei bem como esse tanto de sozinho chegou até mim. é bonito até — como que feito de uns cristais muito pequenos. a intenção normal de quem fala sobre o sozinho é a de mostrar como é estranho segurar isso, mas não é tão ruim. e no entanto: fico sem jeito segurando isso. devo parecer um daqueles turistas que se vê em praias muito quentes, insistindo em suas roupas fechadas e grossas; se o sol lhes queimar as peles, aposto, derretem. derretem, e o problema termina.  o sol segue queimando. pobres turistas.

o que faço com esse tantinho de sozinho?

um Rios de alegria

Não sei onde está o problema, de fato. A gente se acostuma a encontrar mil explicações pra situações que não são passíveis de racionalização. Então talvez seja só mais um tiro n’água esse texto, essa tentativa de dizer “Tem jeito”. Não sei se “tem jeito”.

Um sambista disse que “a vida , meu caro, não tem solução”, unicamente porque não é um problema a ser resolvido. Sambistas sabem das coisas. Não me atrevo a discordar… Mas nesses anos todos (e quanta pretensão dizer assim, afinal, são alguns poucos anos) descobri que, apesar de não ser um grande e insolúvel problema, a vida guarda certos descaminhos, certos meandros, labirintos — dos quais a gente normalmente não sabe (ou não quer, paranoicamente) sair.

Um desses labirintos é a sensação eterna de que não há muitos prêmios na reta de chegada para “caras esquisitos e divertidos”. Nem tudo parece simples — mas a gente complica bastante, é um fato. É uma confusão de entendimentos, que culminam em certas atitudes em relação ao mundo — que, inclusive, influenciam no modo como o mundo nos vê; daí o “esquisitos”.

Mas aí, de repente, a gente lê algo assim:

E eu tô feliz. E eu acho que esse post é sobre ser feliz. Não é um lance para me exibir. Qualquer pessoa que leia esse blog há uns meses, sabe que eu sempre falei de tudo da minha vida aqui, em especial, da “vida amorosa”. E essa sempre foi miserável. Logo não há nada mais justo que escrever quando eu estivesse melhor.

É o Ronald Rios falando. Sem muita permissão, reproduzo um pedacinho do texto aqui (que deve ser lido inteiro); e, de quebra, reproduzo também a alegria que escorre pelo post do rapaz. Um dentre os muitos “caras esquisitos que são legais e divertidos, mas só tomam rejeição na cabeça” que, finalmente, encontrou seu motivo para sorrisos bobos.

Desejo sorte. Esse talvez seja um dos eventos mais festejados da internet mundial na última semana. (E digo isso embasado em estatísticas sérias e metodologicamente aprovadas, claro.)

Em uma lista de e-mails que assino, formada basicamente por estudantes de Geografia, uma celeuma instalou-se depois que uma pessoa disse estar procurando interessados em adotar um cachorro abandonado. Não sei bem por quais caminhos tortuosos a conversa acabou por desaguar num embate ferrenho entre os “defensores dos animais” e os “defensores dos homens”.

O primeiro grupo reunia aqueles que suportavam a pessoa que buscava novos donos para o cachorro abandonado. Usando argumentos nesse sentido, que variavam muito pouco – o mais comum: o fato de, aparentemente, “terem (mais) coração” a ponto de se disporem a buscar uma nova casa para o pobre animal.

As pessoas do segundo grupo, de certo modo, mais incisivas na forma como escolheram construir e transmitir suas mensagens, diziam, entre outras coisas: “vamos, então, encontrar casas novas para todos os animais de rua tomando cuidado para não tropeçarmos em mendigos”.

Obviamente, são duas posições radicais. Opondo, numa dicotomia que permeia a própria Geografia, a Natureza e a Sociedade. A primeira, um suporte para a existência do Homem – que encontra em seus elementos, os (infinitos) recursos naturais de que precisa para se manter; ignorando sumariamente os processos naturais todos que concorreram para a criação dos tais recursos. Em outra oportunidade, falei disso quando tentei demonstrar a inerente incoerência do termo “meio ambiente”, que se esforça em criar e “naturalizar” essa distinção.

Depois de inúmeras mensagens, resolvi dar minha contribuição, que reproduzo aqui.

Sem querer me intrometer, mas acredito que este seja o caso pra o uso da conjunção “e” e não da conjunção “ou”.

As duas coisas são possíveis. Senhores, senhoras, as duas coisas são absolutamente possíveis se agirmos coerentemente.

Preocupação única e exclusiva com um ou outro ponto é expressão da dicotomia que, inclusive, nos divide. Não há uma separação clara entre o que é Social e o que é Natural — a não ser aquela que criamos, logicamente. Estamos incluídos no mesmo sistema (não é essa a fundamentação para a crítica ao termo “meio ambiente”, meus caros?). A Natureza está ofendida em seus processos em função de nossa interferência pouco sutil, a Humanidade se encontra (desde sempre) à mercê dos efeitos dos “humores” da Natureza — tal e qual todas as outras formas viventes (ou não) desse planeta.

Não vejo qualquer mal em encontrar novos donos para cachorros abandonados. Me incomoda profundamente ver pessoas dormindo ao relento. Me irrita saber de toda a destruição da Amazônia — a perda “natural”, sim, mas também (e em maior medida, talvez) as atrocidades sociais cometidas em função disso. Atuando na preservação da floresta, creio, estaremos unindo forças para a solução do problemas graves que as populações locais enfrentam, no embate direto com os interesses do agronegócio. E isso é um exemplo, claro, que busca mostrar a associação direta entre as coisas — que, no mais das vezes esquecemos, em função de sectarismos que não ajudam, apenas e tão-somente dividem. E que pode ser dito noutro sentido: ao atuar na defesa das populações locais, necessariamente estaremos atuando na preservação da floresta.

O professor Ricardo Castillo, numa de suas aulas, nos disse algo que pretendo levar como norte da minha carreira acadêmica: ciência, quando vira dogma, deixa de ser ciência. Então, talvez, seja o caso de tomarmos cuidado com certos extremismos absolutamente evitáveis.

Em situações como essa, muito comuns dentro da academia, reforço meu pavor de radicais – sejam de qualquer cepa. A ciência transformada em dogma, como ressaltou meu professor, não serve à investigação científica honesta. Se não estamos dispostos a cogitar mudanças mesmo em nossas convicções mais profundas, talvez seja o caso então de trocarmos de ramo de atividades.

A busca do cientista é pela verdade livre de paixões; que vai existir até o momento em que for posta de lado em benefício da dúvida, que criará uma nova verdade, num ciclo lento e livre.

A Ciência como religião não me serve. Mas faz muitas cabeças por aí.

Em uma lista de e-mails que assino, formada basicamente por estudantes de Geografia, uma celeuma instalou-se depois que uma pessoa disse estar procurando interessados em adotar um cachorro abandonado. Não sei bem por quais caminhos tortuosos a conversa acabou por desaguar num embate ferrenho entre os “defensores dos animais” e os “defensores dos homens”.

O primeiro grupo reunia aqueles que suportavam a pessoa que buscava novos donos para o cachorro abandonado. Usando argumentos nesse sentido, que variavam muito pouco – o mais comum: o fato de, aparentemente, “terem (mais) coração” a ponto de se disporem a buscar uma nova casa para o pobre animal.

As pessoas do segundo grupo, de certo modo, mais incisivas na forma como escolheram construir e transmitir suas mensagens, diziam, entre outras coisas: “vamos, então, encontrar casas novas para todos os animais de rua tomando cuidado para não tropeçarmos em mendigos”.

Obviamente, são duas posições radicais. Opondo, numa dicotomia que permeia a própria Geografia, a Natureza e a Sociedade. A primeira, um suporte para a existência do Homem – que encontra em seus elementos, os (infinitos) recursos naturais de que precisa para se manter; ignorando sumariamente os processos naturais todos que concorreram para a criação dos tais recursos. Em outra oportunidade, falei disso quando tentei demonstrar a inerente incoerência do termo “meio ambiente”, que se esforça em criar e “naturalizar” essa distinção.

Depois de inúmeras mensagens, resolvi dar minha contribuição, que reproduzo aqui.

Sem querer me intrometer, mas acredito que este seja o caso pra o uso da conjunção “e” e não da conjunção “ou”.

As duas coisas são possíveis. Senhores, senhoras, as duas coisas são absolutamente possíveis se agirmos coerentemente.

Preocupação única e exclusiva com um ou outro ponto é expressão da dicotomia que, inclusive, nos divide. Não há uma separação clara entre o que é Social e o que é Natural — a não ser aquela que criamos, logicamente. Estamos incluídos no mesmo sistema (não é essa a fundamentação para a crítica ao termo “meio ambiente”, meus caros?). A Natureza está ofendida em seus processos em função de nossa interferência pouco sutil, a Humanidade se encontra (desde sempre) à mercê dos efeitos dos “humores” da Natureza — tal e qual todas as outras formas viventes (ou não) desse planeta.

Não vejo qualquer mal em encontrar novos donos para cachorros abandonados. Me incomoda profundamente ver pessoas dormindo ao relento. Me irrita saber de toda a destruição da Amazônia — a perda “natural”, sim, mas também (e em maior medida, talvez) as atrocidades sociais cometidas em função disso. Atuando na preservação da floresta, creio, estaremos unindo forças para a solução do problemas graves que as populações locais enfrentam, no embate direto com os interesses do agronegócio. E isso é um exemplo, claro, que busca mostrar a associação direta entre as coisas — que, no mais das vezes esquecemos, em função de sectarismos que não ajudam, apenas e tão-somente dividem. E que pode ser dito noutro sentido: ao atuar na defesa das populações locais, necessariamente estaremos atuando na preservação da floresta.

O professor Ricardo Castillo, numa de suas aulas, nos disse algo que pretendo levar como norte da minha carreira acadêmica: ciência, quando vira dogma, deixa de ser ciência. Então, talvez, seja o caso de tomarmos cuidado com certos extremismos absolutamente evitáveis.

Em situações como essa, muito comuns dentro da academia, reforço meu pavor de radicais – sejam de qualquer cepa. A ciência transformada em dogma, como ressaltou meu professor, não serve à investigação científica honesta. Se não estamos dispostos a cogitar mudanças mesmo em nossas convicções mais profundas, talvez seja o caso então de trocarmos de ramo de atividades.

A busca do cientista é pela verdade livre de paixões; que vai existir até o momento em que for posta de lado em benefício da dúvida, que criará uma nova verdade, num ciclo lento e livre.

A Ciência como religião não me serve. Mas faz muitas cabeças por aí.

Sobre blogueiros profissionais ou Anotações sobre uma foto

A contradição é inerente ao ser humano, está presente nas escolhas que fazemos durante a vida — e pode, também, ser uma escolha consciente. Comportamento desta cepa de certo blogueiro da revista Veja nos é revelado constantemente por seus algozes — e não deixa dúvida sobre quão desonesto podemos ser quando a intenção é o emburrecimento alheio (o que, dito assim, parece apenas opinião desqualificada por fanatismo ideológico, mas, claro, não se trata disso — basta alguma decência na análise).

Não quero falar da Veja (há quem faça com muita e maior distinção) nem de seu blogueiro especificamente, mas de todos os blogueiros; talvez até de Blogueiros, assim, com uma maiúscula e generalizante inicial.

Em primeiro lugar, gostaria de dizer que este post foi escrito previamente à mão, num caderno pautado, antes de ser publicado. É — me parece ser — antiquado e extemporâneo falar em caneta e letra cursiva quando o assunto são blogues (sim, esse também é o assunto), mas me vejo na obrigação de registrar publicamente que escrevi este post à caneta; apesar do embate óbvio entre o moderno e o antigo, peço licença pra continuar fazendo como faço há pouco mais de sete anos com raras exceções.

Depois, gostaria de frisar que este blogueiro de tão poucas e mal-traçadas linhas é devoto de São Inagaki e, em função disso, se vê no direito (quase divino) de repetir aqui certa frase do santo japaraguaio. O salmo de hoje: “Blog é liberdade“. A rede colaborativa, pulverizada, descentralizada, fluida, não-hierárquica da qual os blogueiros somos uma das muitas faces nos dá a chance incrível de escolhermos livremente aquilo sobre o que falamos, aquilo que lemos, aqueles que lemos, aqueles que preferimos ignorar, aqueles com quem nos damos ou não, enfim — a rede, os blogues, a internet (até certo ponto) são realidades anárquicas e eu creio, como crê mestre Ina, na capacidade de auto-regulação dessas “entidades”, uma vez que são vivificadas por nós todos que buscamos bom-senso e criatividade em nossas empreitadas. Imbuído dessa idéia, nada de cagar regras de comportamento por aqui — como costumeiramente não faço.

Feitas essas considerações cabe dizer que não fui ao Campus Party Brasil. No entanto, falarei da festa como se lá tivesse estado. As informações relativas obtive em fontes as mais fidedignas.

A dimensão de um evento como esse, que reuniu mais de 3mil pessoas envolvidas diretamente com o que é a internet brasileira, talvez nunca alcancemos. Ainda que eu prefira acreditar que análises pipocarão por aí, ajudando, ao poucos, na compreensão de alguns aspectos desse fato. Quando digo “dimensão” quero me referir a tudo o que direta ou indiretamente esteve, está ou estará envolvido com este evento. Aspectos que transbordam os limites (físicos) do Pavilhão da Bienal, repercutindo, sem dúvida, em ações muito pouco virtuais por parte de governos e iniciativas que-tais.

Há, entretanto, um aspecto sobre o qual gostaria de falar. Este: “A foto ‘oficial’ dos blogueiros do Campus Party“. Uma reunião de figurões da blogosfera brasileira, sorrisos e abraços, gente corada e saudável, sob o honroso título de “os blogueiros”. São quantos? Uns poucos… Ora, e eu achando (com alguma certeza) que os blogueiros (note, sem aspas) éramos milhares. E de repente, o fato: 20, somos apenas 20. Aparentemente, todos os “blogueiros do Campus Party” estão aí, quando, a bem da verdade, não estão todos aí — porque nem todo o espaço da Bienal abrigaria todas as barracas de todos os blogueiros do Campus Party.

“Blogs são liberdade”. E em seu espaço, em seu quinhão, cada um é dono de si. Mas os blogues não são estes quantos pro-bloggers. “Os blogueiros do Campus Party Brasil”, quero crer, são todos aqueles que em algum momento durante a semana de duração do evento deram uma passada pela Bienal ou falaram em seus blogues sobre o acontecimento (mesmo sem ter estado lá) ou repercutiram um assunto de uma (des)conferência que julgaram interessante, indicaram links, leituras, construiram análises, enfim, colaboraram, contribuiram, construiram a idéia de uma rede descentralizada, pulverizada, anárquica, não-hierarquizada, fluida, livre — que, obviamente, não precisa, nem depende, de rostos.

Mas o ser humano é incoerente. Um bom estudo de caso, esmiuçando essa verdade postulada, o Gravata (apesar de são-paulino) produziu brilhantemente (aqui e aqui) — no qual fala sobre o “socialismo de resultados” de MadDog e seus colegas, que foram a um evento patrocinado por uma empresa monopolista, levantando a bandeira do software livre. Esta foto “‘oficial’ dos blogueiros do Campus Party” é, como se dizia, um tiro no próprio pé. É a reprodução da sectarização dentro do espaço que nasceu em função de intenções unificadoras, agregadoras, colaborativas. Somos uma rede de blogueiros do Campus Party — e não há justiça ou coerência nessa foto. Nem um pouco, de nenhuma das duas coisas.

Ainda escrevo meus posts à caneta, não ganho dinheiro com meus blogues, não recebo visitas aos cântaros, não recebo patrocínio para posts — nem isto tudo é a verbalização de uma dor-de-cotovelo qualquer. Respeito iniciativas em contrário: porque respeito iniciativas originais e criativas de toda sorte. Apenas lamento que este primeiro Campus Party Brasil, um momento ideal para cada vez mais trazer as pessoas para dentro de um mesmo rumo, tenha terminado com uma chave torta, uma faca de dois gumes mais afiada de um lado, a boa e velha batalha de egos — tão-somente tapinhas e sorrisos para a foto.

O em mim.

Do quanto em mim recrio e faço renascer obrigado por tão doce função, caril do tempo, fecunda, sombra enlevada por espírito tão graciosamente zombeteiro. Fustigado “pela dor e pelo eterno vento”, cabisbaixo ante o peso de uma realidade trucidante — contumaz sensação de impotência e perplexidade.

Oriundo de tanta riqueza, fruto de beleza ímpar, massacrado por desvios de um orgulho inútil, enquanto se viam ao largo recomendações e revoadas de muitos nomes.

Fixo e inerte, petrificado súdito da tristeza, espera docilmente a solução que ponha termo a um amor tantas vezes recriado. O fim de tudo, a luta, a falta, o sorriso largo, encimado por sentimentos fruidos, tristemente solitário, claro e amante, como pedras que transbordam sua alegria fria entre verdes e o ar.

Cânone, flácido — irradiando. A própria voz, o sopro. Menção ao antigo, respeito consentido — amigo amoroso. Farsa.

pelo fim da palhaçada

O jornalista Luis Nassif, além de nos presentear com ótimos comentários sobre música brasileira (especialmente sobre o chorinho), está produzindo uma série de reportagens na qual busca elucidar o declínio daquela que já foi a revista semanal mais importante deste país, a revista Veja.

Transformada em um panfleto, ocupada em distorcer a realidade, usando meios escusos, praticando um arremedo de jornalismo, tendo em seus quadros pelo menos dois jornalistas de meia-pataca, os senhores Diogo “Minha Anta” Mainard e Reinaldo “Reinaldinho” Azevedo, deixou de ser, infelizmente, referência dentro do debate democrático e respeitável.

A série vai buscar explicações históricas para compreender o que levou a publicação aos níveis ridículos em que se encontra hoje. Não é, contudo, um trabalho definitivo — mesmo porque, seria injusto pedirmos isso ao Nassif.

De toda forma, é uma leitura imprescindível a todos aqueles que prezam o bom jornalismo. Os capítulos, já são seis, podem ser lidos a partir dos links contidos neste site.

comentários

Durante esta semana, dois posts me chamaram a atenção e me levaram a comentar — o que normalmente faço, mas nesses dois casos, com maior cuidado. Pretendo reproduzi-los aqui, neste post. Não sem antes, breve contextualização.

O primeiro, no blog Catatau!, conversando com o sempre gentil Catatau sobre o uso que se faz dos dados estatísticos no Brasil, de como esse uso tornou-se corriqueiro, inclusive acostumando-nos a certas imprecisões em nome deste ou daquele discurso. Isso a tal ponto que, na gravíssima questão sobre o desmatamento ilegal da floresta amazônica – especialmente no estado do Mato Grosso, o campeão deste triste ranking –, chegou mesmo a acontecer um bate-boca federal, entre o Presidente Lula e sua Ministra do Meio-Ambiente, Marina Silva, sobre os dados produzidos e divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Lula dizendo que houve alarme exagerado, Marina confirmando a pesquisa do instituto, ressaltando o perigoso momento que vivemos.

Disse ao Catatau algumas coisas que costumamos, os geógrafos, saber mas não contar. Inclusive, tentei mostrar que o desmatamento da Amazônia não está, absolutamente, desassociado do projeto torto e mal ajambrado de nação que temos, todos nós, construído; que essa situação é, como tantas outras, resultado direto de séculos de desajustes no trato com nosso território – contribuindo, inclusive para o que costumamos chamar extrovertimento do território: o tempo todo voltado pra fora, respondendo a desejos externos.

A conversa prosseguiu e acabei falando um pouco sobre minhas aulas. Coloco aqui o comentário inicial e convido a quem tiver interesse, de seguir o link até o blog do Catatau.

Catatau,

Só interpretando os fatos com explícita má-vontade deixamos de concluir que o aumento descontrolado do desmatamento da Amazônia está diretamente ligado à atividade do agronegócio no norte/nordeste do Mato Grosso e no sul do Pará.

Não é esse o expediente nessas áreas desmatar a cobertura vegetal original, transformar antigas florestas em pastagens e, depois de pouco tempo, implementar as lavouras de soja (ou algodão ou, mais recentemente, de cana-de-açúcar)?

Estou com a ministra Marina Silva. E não me surpreende, no frigir dos ovos, a posição que o presidente tem assumido nesse caso. O governador Blairo Maggi é (ou era, precisaria verificar os dados) o maior produtor individual de soja do planeta, interessado, por certo, em aumentar ainda mais sua produção. O chamado “novíssimo ‘front’” da soja, no nordeste do Mato Grosso, na fronteira com o Tocantins, na “área de influência” da ferrovia Norte-Sul, em implantação, foi aberto por ele, com essa fazenda, citada no seu texto. Dali, a soja já se espalha por todo o Tocantins, oeste da Bahia, sul do Maranhão e do Piauí. Além das áreas já tradicionais, no Mato Grosso, em Goiás e no sul do Pará.

É muita soja.

Hoje, discutindo esse tema com meus alunos, acabamos chegando ao ponto que considero crucial: as imensas plantações de soja são apenas um novo ciclo dentro do modelo de construção nacional que adotamos mesmo antes de nossa independência política. Nossa preocupação sempre esteve e permanece voltada às demandas externas – e esse fato vai se realizando na maneira como o território é efetivamente usado. Sempre “extrovertidamente”.

Os efeitos danosos dessa prática sabemos bem: o desmatamento predatório e inconseqüente da Amazônia e do cerrado, os intensos e graves conflitos fundiários naquela região (a mais violenta do país,em número de homicídios, como mostra o recém-lançado Mapa da Violência); em outra esfera, tão importante quanto, a inexistência de um pacto nacional, de um “norte”, substituído por esses ciclos econômicos (nossos e de toda América Latina) que não nos ajudam, apenas aprofundam ainda mais as desigualdades históricas.

Abraço.

O outro comentário, cometi no blog da simpática Lucia Malla. Ainda há pouco ela publicou um post no qual nos mostra parte de um e-mail que recebeu de um seu amigo, voluntário numa ONG, que está, neste momento, no Chade.

Dead hearth of Africa” – é com este carinhoso apelido que a Wikipédia nos apresenta o país. Dividido entre o deserto do Saara e o Sahel — que caminha inclemente cada vez mais para o sul, sufocando os poucos planaltos férteis; tão ressecado quando o outrora extenso lago Chade, de onde deriva o nome do país; sacudido por revoltas internas, desde sua independência perante a França, em 1960, onde se opõem muçulmanos do norte e etnias tribais do sul, que culminaram, na última semana, com a instauração do caos: refletido em tiros de metralhadora na sede do governo; no sítio à capital, N’Djamena; na fuga em massa dos representantes de nações estrangeiras e de funcionários “sobressalentes” das Nações Unidas.

O amigo inglês da Lucia, em seu e-mail, diz estar em Goz Beïda, um vilarejo a pouco mais de 150 quilômetros da fronteira com o Sudão – mais especialmente, fronteiriço com a região de Darfur, cenário de mais um dos inúmeros exemplos de desintegração da dignidade humana; daqueles humanos. Há quem diga, inclusive o amigo inglês, sobre suspeitas de que os rebeldes de Darfur estariam metidos na quizumba criada no Chade.

Em meu comentário, não fiz mais do que expor uma indignação que, apesar de verdadeira, é, de fato, pouco prática. Seria o cúmulo de um egoísmo acomodado e confortável imaginar que comentando raivosamente em blogs, ajudarei aquelas pessoas. No entanto, é o que faço.

Como tudo no mundo, como todos os países pelos quais se mata e se morre, o que vemos hoje na África é um retalho de linhas retas, desenhadas pelas potências coloniais (e neo-coloniais) européias. Muito já se disse sobre a incongruência mortal entre as linhas que existem e aquelas que deveriam(?) existir no continente – como em outros –, e não quero aqui criar eu mesmo linhas desnecessárias.

Segue o comentário.

Lucia,

É sempre um silêncio tão incômodo sobre a África. É sempre uma esquiva. São tantos e tão complexos os elementos que transformam aquele continente (e sua gente) em pouco mais que “curiosidade exótica”, assunto pra cinco minutos de conversa, que terminam geralmente com um suspiro.

A “bola da vez” é o Chad, como já foi o vizinho Sudão (e a carnificina de Darfur), a vizinha República Centro-Africana, o vizinho Zaire, a vizinha Nigéria, Costa do Marfim, Serra Leoa, Libéria, o Quênia… A lista é infinita.

Em cada um desses polígonos irreais (como somos todos), invenções de europeus muitíssimo mal-intencionados, a mesma história se repetindo (como farsa e como tragédia). Grupos que se beneficiam e abusam de outros; que destroem o país até chegar ao poder e revidar na mesma dose — ou maior — as injúrias recebidas.

Aqueles que poderiam fazer alguma coisa, se calam — levados por interesses os mais escusos, geralmente riquezas (minerais, naturais, humanas) abundantes em toda a África.
As análises sobre o continente nunca têm o tom grave e horrível da realidade. São sempre amenizados, já que ninguém quer “ofender” os interessados.

É uma pena. Uma lástima. Uma tristeza. Especialmente porque, como em todos os outros casos, de Ruanda e Burundi a Somália, o mundo se fará de surdo e cego — pra que, no fim, tudo volte ao estado inicial, inseguro e deteriorado.

Boa sorte ao seu amigo. E àqueles que ele cruzar por lá — que não têm a esperança de um avião das Nações Unidas como solução de seus problemas.

Um beijo.

Considerações a Roberto de La Griva

Senhor”, respondeu Saint-Savin, “a primeira qualidade de um homem de valor é o desprezo pela religião, que nos quer temerosos da coisa mais natural do mundo, que é a morte, fazer-nos odiar a única coisa bela que o destino nos concedeu, que é a vida, e aspirantes a um céu, de cuja eterna beatitude vivem apenas os planetas, que não gozam de prêmios ou castigos, mas do seu eterno movimento, nos braços do vazio.”

(Umberto Eco, “A ilha do dia anterior”.)

E música

The Dø

(Link daquela porcaria de MySpace.)

Eu fujo do hype. Desconfio da unanimidade, do sucesso indiscutível, das multidões. E por isso, olhei com muita desconfiança pra essa dupla. Já na primeira resenha que li, eles eram apresentados como “a nova aposta” do mundo da música alternativa pra esse ano.

Mas não resisti. Baixei A Mouthful e descobri que não mentiam. Eu realmente não sei se esses dois (uma finlandesa, dona dos vocais, e um francês) são a esperança do mundo da música alternativa, no entanto, a música que fazem, cheia de experimentações, misturas (eu ouvi hip-hop, funk, soul, folk rock, uma pitada de música eletrônica, música em finlandês e percussão árabe e, pra fechar, lá no meio, um ukelele[?]), é muito, muito boa. Os vocais da moça, Olivia, variam demais e são tão surpreendentes quanto as experimentações.

É sem dúvida, uma ótima surpresa. Se 2008 continuar como começou, teremos um grande ano pela frente.

Um torrent do disco.

The Moldy Peaches

(Site oficial da banda.)

Essa banda está em recesso, num hiato desde 2004. É uma das bandas que encabeçam a cena “anti-folk“. Ninguém sabe exatamente o que isso quer dizer, especialmente porque uma banda após a outra inventa seus próprios argumentos. No entanto, se querem uma opinião: todas elas estão juntas no estilo “lo-fi“, ou seja, gravações quase caseiras de tão cruas. Mais ou menos como nas primeiras gravações do Iron & Wine (de quem já falei aqui), com a diferença de que o Sam Beam é, talvez, essencialmente folk rock.

Se no folk rock os temas são geralmente pesados e tratados com profundidade, as letras do tal “anti-folk” falam de qualquer coisa, irreverentemente. Coisas do cotidiano. Numa das músicas, um casal de namorados conversa num sofá, com um violão esporádico… Nada muito grave.

Uma música do Moldy Peaches, “Anyone else but you”, está na trilha do filme Juno, que estréia dia 1º de fevereiro no Brasil. É um ótimo exemplo do que será encontrádo na bolachinha. (Mas cuidado. Não é um disco que deixo na repetição infinita.)

Aqui, um torrent pro disco.

Radar Bros.

Descobri essa banda tarde, acho. Baixei o último disco — Auditorium, de 2008 — por indicação de algum dos blogs sobre música ali ao lado. Não me arrependi, de jeito nenhum. Há muito mais material, desde 1993, quando a banda se formou, em Los Angeles. As músicas são calmas, não ofendem os ouvidos — o vocal suave, arranjos redondinhos, o barulho dos dedos escorrendo pelas cordas dos violões… Música pra um dia ensolarado, com sorvete e fim de tarde bem acompanhado.

Comparado ao Moldy Peaches aí de cima, esse disco fica repetindo infinitamente. É um lindo disco.

Um torrent e um link pro último disco. (O link foi retirado deste post do blog Una Piel de Astracán.)

Fernanda Takai

Conheço apenas uma pessoa que não gosta do Pato Fu. Essa pessoa justifica o não gostar justamente pelo que o Pato Fu tem de mais bonito: a voz da Fernanda Takai. Não sei explicar o ponto de vista dessa pessoa, mas gosto é gosto — não se discute, apenas se lamenta.

Adoro o Pato Fu. É, nessa era pós-Los Hermanos, uma das minhas bandas brasileiras prediletas, entrando facilmente num hipotético Top 5. O último disco da banda, Daqui pro futuro, do ano passado, passa no teste da repetição (meu principal teste pra determinar a qualidade de um disco).

Também em 2007, a Fernanda gravou um disco com músicas interpretadas anteriormente pela Nara Leão. Composições de grandes nomes da música brasileira, que ganharam “nova roupagem”. Por mais que dizer isso pareça resenha paga, é a verdade. Os arranjos estão todos diferentes, nada é realmente como esperamos. Em “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos”, um xilofone; em “Com açúcar, com afeto”, uma guitarrinha de fundo e tudo muito mais leve, apesar da letra; o chorinho “Odeon” tornado um quase jazz; em “Estrada do sol”, os pingos da chuva brilham mais, cantados pela voz macia da moça.

Delicioso o disco. Simplesmente delicioso.

Um link do disco (retirado deste post do blog Música Social).

em cadeia mundial

clica, pra ler melhor

O Le Monde ficou sabendo. A Folha leu e repercutiu. O El País, dormindo no ponto, foi avisado pelo feed do Le Monde.

Minha vez de dizer, então: Suharto, ex-presidente ditador da Indonésia, morreu, aos 86 anos.

~.~.~

Claro que é um caso atípico, a morte de uma figura política conhecida mundialmente. Mas não é incomum perceber que são sempre as mesmas notícias, sempre repercutidas da mesma forma, partindo sempre das mesmas agências internacionais — com as mesmas fotos, apenas editadas de maneiras diferentes.

Dá o que pensar.

considerações e dúvidas

(Contém spoillers.)

Li O Estrangeiro, de Albert Camus, “numa sentada”, como se diz. Não poderia haver cenário mais agradável: um quiosque na Praia Grande de Ubatuba (que apesar de ser a mais lotada da centena de praias do município, tem a mesma água verde-azulada da mais escondida e de difícil acesso), sentado confortavelmente, descalço, observando vez por outra o mar e suas pancadas, bebericando e petiscando (com muito comedimento, porque aqui não somos dados a exageros).

Um livro inquietante, pra dizer o mínimo. Uma narração descritiva, detalhada por certo, mas não cansativa — como podem ser cansativos livros excessivamente detalhistas em suas descrições, especialmente aqueles escritos por pessoas pouco talentosas. A impressão de que a história começa de repente, de que os acontecimentos vão se sucedendo com grande velocidade (ainda que o livro tenha um ritmo lento), de que algumas poucas páginas depois (o leitor desavisado já sem fôlego) e Mersault está preso e condenado.

“Preso por não ter chorado no velório da mãe”. Um exagero de Camus — um absurdo. Mas um absurdo real, fatídico. O júri que o condena ouve atentamente a apresentação do promotor público que, durante todo o tempo “fala mais da alma” do jovem, de seu comportamento pouco usual em relação a passagens obviamente consternadoras, do que propriamente do crime que cometera Mersault.

Nesse ponto, com relação a esse julgamento, tão eficiente a ponto de condená-lo à morte, ficou um apontamento, uma dúvida. Que, claro, pode ser só uma idiotice, uma tolice, mas que preciso expor, afim de não deixar que se perca.

O estrangeiro é essa pessoa que, estando neste mundo de aparências, queda-se alijado do habitual, do comportamento recomendado. Ignora por preguiça certas regras, certas condutas que, num momento oportuno, potencializam e certificam sua atitude criminosa e culminam com a caracterização de um monstro social, um pária, um verme — que, como tal, será exterminado.

Até que ponto a liberdade individual é limitada por esses ritos socialmente reproduzidos? Há sempre uma voz que se levanta contra a supressão dessas liberdades em partes muito específicas do mundo, pretendendo estender este ideal aos oprimidos – mesmo que à custa de mais opressão; nesse caso, não importam os meios. O ideal de liberdade almejado corresponde ao que experimentamos nós outros, habitantes de democracias do tipo ocidental? O que dizer da influência constante e, por vezes, imperceptível desses hábitos, desses códigos morais, do agir aguardado — vale dizer, da atitude de minha imagem na existência do outro? Há, de fato, essa liberdade que defendem como um ideal?

(São grilhões; firmemente presos a uma placa de concreto. Correntes com imensas bolas de ferro na ponta — que arrastamos; que carregamos por toda parte, derrubando outras possibilidades como a pinos de boliche.)

only skin

Deitado na cama, inerte, pensando.

… nenhuma clareza em meus pensamentos, nem mesmo imagino onde quero chegar partindo dessa ligeira organização mental. Apenas tenho a impressão de que as coisas vão acontecendo rápido demais — não consigo perceber esse sem-número de fronts. Além do quê, há essa preguiça moralmente condenável (e digo isso com leveza de espírito), que me impede uma maior atenção aos acontecimentos todos (especialmente os mais “mundanos”, por assim dizer — como pagar contas).

… são apenas reflexos e sustos. Me assusto seguidamente com essas lembranças repentinas de situações ou compromissos que surgem e desaparecem instantaneamente. E tudo isso acontece concomitantemente: o recordar, o esquecer, a consciência de ambas as coisas, a consciência da consciência…

; fazer certas escolhas, quando efetivamente me proponho a isso, cria conseqüências que no mais das vezes, não enxergo. (Se enxergasse, não teria paciência para elas. E não faria estas escolhas.) Não prevejo o que me espera quando escolho tirar uma pessoa do meu convívio. E, por incrível que pareça, nesses casos, emprego toda a disposição de minha alma condenada para não precisar estar na companhia de tal pessoa; que, miseravelmente, vive cercada de muitas outras pessoas — nem se dando conta, portanto, de minha opção reprovável. No entanto, se ela chega aos ouvidos alheios (ou se alguém percebe o que estou fazendo), sou obrigado a testemunhar uma miríade de reações negativas de todo tipo: tentativas de amenização, olhares fulminantes, indiferenças pretensamente desdenhosas e a certeza de que levo uma vida amargurada e ressentida. No meio disso tudo, algumas concordâncias tácitas (tão hipócritas). De forma que a preguiça — que me acompanha imperiosamente — se apodera das minhas vontades e, inclusive, sorrio docemente, diligentemente para quem me desespera.

Digo sem medo: sou uma farsa. Nada do que vêem em mim é correspondente ao que sou de fato. Jamais aceite meus sorrisos ou meu perdão mais sincero como prova de amizade ou carinho. Desconfie dos meus amores. Me vigie. Me afaste. Em suma, me odeie. Sem saber o motivo, me odeie. Crie em si uma imagem repugnante de mim — e assim você estará seguro; sabendo o que sou, a partir da imagem que você mesmo criou, me dê aquilo que, justamente, não faço por merecer.

“yo no veo otra salida”

já que são cinco horas da manhã e estou acordado, não me custa querer escrever. fico preocupado. não sei como será a volta à rotina. terei que acordar na hora em que tenho ido dormir… não é uma boa perspectiva. em 2007, nessa mesma época, estava me consumindo por dentro por não saber como seria. tudo. acordar muito cedo, encontrar pessoas diferentes — os alunos, os outros professores –, lidar com as obrigações burocráticas. e de tudo, acho que, no fim, bem no fim, não consegui me dar bem apenas com as malditas burocracias. hoje, a ansiedade é diferente. sei, melhor, suponho o que encontrarei baseado em alguma experiência (um ano, bem sei, mas não deixa de ser). fico aqui imaginando em mudanças que precisam acontecer nas minhas aulas. pensando em conselhos que escutei de outros, mais experientes — e, nesse processo, saudavelmente, ganho outras dúvidas. até que ponto quem me aconselha a “não ser amigo dos alunos”, por não ser essa “minha função” na escola, está correto? há um limite nessa relação? ela é meramente profissional, no sentido de que devo simplesmente transmitir os conteúdos da melhor maneira possível, sem me ater a assuntos pessoais? ser um professor é como ser um engenheiro — preciso, regrado, firme… tapado (mil perdões)? não devo conhecer meus alunos? “conhecer alunos” é “bobagem” desse povo que lê “aquele” Gilberto Freyre? sei cada vez menos. esse ano, terei uma aluna cega. completamente cega e na quinta série. informações sobre como lidar com isso, idéias de como apaixoná-la por uma Geografia que ela não vê, figurinhas pra trocar — tudo muito bem-vindo, sempre. a Cris Simon disse bem, 2007 ainda não acabou. ou é 2008 que não começa. quando começar, espero estar disposto.

lembranças

uma nova “seção” do blog: que trata dos livros lidos durante o ano.  fica ali ao lado, mais pra meu controle — como auxílio à minha memória já falha após tantos anos de uso ininterruptos.

… a fina arte da ironia.

fico pensando que os meses podiam ser mais Janeiro às vezes. quatro livros em um mês… um deles, O Estrangeiro, lido ao lado da “pancada do mar” de Ubatuba — comprado no sebo da cidade, junto com Cem anos de solidão e O Velho e o Mar, que estarão na lista daqui algum tempo.

e vamos…