20ª vez.

Eles se deitam na cama, vestidos com roupas simples: ela numa calça moleton, ele numa camiseta puída. Ela do lado direito, ele do lado esquerdo (de quem também se deitasse na cama). Conversam e se entendem e encontram similaridades. Ambos insones, num país extremamente diferente, sem entender a língua, solitários… É uma história como qualquer outra, que poderia acontecer em qualquer lugar, com qualquer um, mas nessa cama, eles se deitam e conversam e nisso encontram a paz necessária pra se deixar levar pelo sono que vem e que interrompe a conversa no meio. Antes de se perder no sono, ele ainda titubeia e põe a mão direita sobre o pé direito dela – que se encontrou com sua perna, porque ela deitou-se de lado, olhando pra ele.

Eu não saberia dizer objetivamente o que esse filme tem de tão especial. Tem essa cena. Tem a seqüência do alarme de incêncio, quando ela pede pra que ele fique e eles têm duas chances de se beijar no elevador – ou de não se beijar, porque há todo um peso por trás da possibilidade do beijo. Tem a seqüência do karaokê, um cantando pro outro – e ao mesmo tempo não cantando. E, claro, tem a seqüência final, quando ele salta do táxi e sussura qualquer coisa no ouvido dela. Pode ser qualquer coisa! O número de telefone, seu endereço nos Estados Unidos, um adeus mais prolongado, o aviso que antecede o beijo que vem… qualquer coisa. Ele sorri, ela sorri.

Toca The Jesus and Mary Chain e eu venho pro computador querer uma Charlotte pra mim.

Entendo que ele não tenha esse efeito entorpecedor em todo mundo, mas não entendo por que ele faz isso comigo. E não importa quantas vezes eu já o tenha assistido.

Perfeito. É um filme perfeito. É o meu filme perfeito. Com a minha mulher perfeita. Com o humor, a alegria, a tristeza latente, o amor singelo, a amizade… todos perfeitos, pra mim.

I’ll be your plastic toy
I’ll be your plastic toy
For you

Eating up the scum
Is the hardest thing for
Me to do

Just like honey (x 17)

Dezessete vezes depois: “Writed and Directed by Sofia Coppola”, tela preta; reinvento a ilusão…

Cordel do Fogo Encantado

[barulhos incidentais de alguém colocando uma fita pra tocar e depois, gritos de uma platéia que aplaude]

Diz assim:

A gente vem lá do sertão de Pernambuco – cidade chamada Arco Verde. Poeta Zé da Luz, o poeta Zé da Luz, do início do século, escreveu uma poesia, porque disseram pra ele que pra falar de amor era necessário um português correto, aí Zé da Luz escreveu uma poesia chamada “Ai se sesse”, que diz assim:

Se um dia nós se gostasse
Se um dia nós se queresse
Se nós dois se empareasse
Se juntinho nós dois vivesse
Se juntinho nós dois morasse
Se juntinho nós dois drumisse
Se juntinho nós dois morresse
Se pro céu nós assubisse
Mas porém se acontecesse
De São Pedro não abrisse a porta do céu
E fosse de dizer qualquer tolice
E se eu me arriminasse
E tu com eu insistisse
Pra que eu me arresolvesse
E a minha faca puxasse
E o bucho do céu furasse
Talvez que nós dois ficasse
Talvez que nós dois caísse
E o céu furado arriasse
E as virge toda fugisse

[platéia aplaudindo novamente; acaba a fita; tosse, conversa, risos; uma porta batendo.]

Claaaaaaaap your hands!

In This Home on Ice
[Clap Your Hands Say Yeah]

Blue, you radiant blue
I don’t know how you can stand next to me
You, you talk like a noose
And only confuse my perplexity
Now that I’m so sad and not quite right
I could dance all night
I could dance all night

Shake your rattlesnake skin
And become a part of society
Wait on down the highway
To see how far I’ll come a-run a-run run running
All that we had salvaged from the fire
Was a waste of our time
What a waste of our time
[…]

:::

Ecos de noites mais quentes…

E não ando reclamando do tempo – frio -, que muito me agrada. Exponho, deito loas, abro, ao-avesso (verbo no presente), um coração gelado.

Dançar a noite toda – redundância eterna – me traria de volta à terra de sonhos de onde não gosto de sair.

Amanhã verei Lost in translation pela 20ª vez. Não, ainda não comprei o DVD. O moço da locadora riu quando viu o número na tela… Ele não entende… Eu não quero explicar. Pago e ele fica contente.

Teria amado. Teria podido. Teria sido. Poderia. Poderia. Futuro do pretérito maldito. Quando muda?

Há tempos não chego às cinco da manhã acordado. Já tinha me esquecido do frio… A essas horas é sempre muito frio. Sempre. Não importava que aqui dentro tudo fosse labaredas, fogo, amor, paixão, pequenos sonhos…

Sou um iglu. hahah… Gelo por fora, fogueira por dentro. Por dentro? Não. Hoje não.

Divago.

Bom dia.

Porque eu sou um cara legal.

Combinamos o seguinte: eu me comprometo a não escrever mais nada embalado pelas músicas do Sigur Rós (em especial quando me encontrar sob a influência das músicas do disco sem-nome) – o que te livra de ler os sentimentalismos bobos que pululam em mim -, e, em troca, alguém me dá um pirulito.

Simples. Direto. Fácil. Um pirulito.

(No fone: Untitled nº. 4 a.k.a. Vaka)

Dedalus

Eu definitivamente não conheco nada da Internet.

Lendo o blog do professor Idelber, me lembrei, ou melhor, fui lembrado de que ontem, dia 16 de junho, comemorou-se mais um Bloomsday. Dia em que todos aqueles que, como eu, são fascinados pela obra-prima de James Joyce, Ulisses, festejam o livro, a leitura, a Irlanda, Stephen, a incrível inspiração de Joyce, enfim.

Ainda não li todo o livro. Afazeres diários me proíbem uma leitura calma e “saborosa” de todo aquele universo, mas, do pouco que li, retirei impressões que já colocam esse livro no meu “pequeno altar” dos melhores entre os maiores.

Digo que não conheço a Internet porque, fuçando no link que o Idelber sugeriu, descobri o Projeto Gutenberg. Um trabalho volutário – o mais antigo da rede, segundo eles -, que produz e-books de qualidade, disponíveis para download. E são tantos e tão variados títulos que meus olhos quase marejaram… Há tempos busco por uma fonte confiável de obras virtualmente traduzidas (uh!), mas nunca topei com esse projeto.

Fantástico. Absolutamente fantástico.

Viva Ulisses! Viva Joyce! Viva a Irlanda! (Atrasado, mas ok.)

“Non ci fosse più niente più niente al mondo”

Eu fico olhando pra parede na qual se apóia o computador, dublando “The Blower’s Daughter“, do Damien Rice, esperando que a parede esboce a reação que eu gostaria de ver no rosto da moça; em cujos olhos eu me fixaria, fustigando-os com uma dor profunda enquanto cantaria sofregamente cada estrofe, mastigando as palavras, repetindo os versos com uma expressão indistinta – um misto de raiva e saudade, vontade de que continue, mas sem a esperança necessária.

Fuckin’ Sad Song” foi o comentário que veio junto com o arquivo mp3 da música. Alguém, noutro canto de mundo, sozinho e ouvindo essa mesma canção, achou por bem anotar a sensação que toda aquela situação lhe passava. Eu, de minha parte, prefiro achar que essa música é feita de um sentimento semelhante à raiva. Vejo alguém que acreditou e foi obrigado a admitir sua derrota. Se é de fato uma derrota a perda de uma ilusão. Somos responsáveis por elas? Sei lá. Sei que crio as minhas com um estoque farto de alimentos. E elas crescem, crescem, ficam imensas e me convidam pra dançar numa noite de estrelas e luar – tudo junto. Não pode? Pode. Porque eu quero. Lua e estrelas.

Viver em cidade pequena tem suas regalias. Eu vejo Lua cheia e estrelas juntas, num mesmo céu. Sob esse céu já chorei, já sorri, me desesperei, busquei apoio que não veio.

Mas o que eu to dizendo?

Carla Bruni. Agora ouço Carla Bruni. Francesa que canta uma música em italiano. Le ciels dans une chambre.

Quand tu es près de moi,
Cette chambre n’a plus de parois,
Mais des arbres oui, des arbres infinis,
Et quand tu es tellement près de moi,
C’est comme si ce plafond-là,
Il n’existait plus, je vois le ciel penché sur nous… qui restons ainsi,
Abandonnés tout comme si,
Il n’y avait plus rien, non plus rien d’autre au monde,
J’entends l’harmonica, mais on dirait un orgue
[…]

Quando sei qui con me
Questa stanza non ha piu pareti
Ma alberi, alberi infiniti
E quando tu sei vicino a me
Questo soffitto, viola, no
Non esiste più, e vedo il cielo sopra a noi
Che restiamo quì, abbandonati come se
Non ci fosse più niente più niente al mondo,
Suona l’armonica, mi sembra un organo
[…]

Non-sense. Queria conseguir. Culpa do sono, da montanha de coisas pra fazer, Dela, de mim mesmo. Sou meu maior problema.

Inferno. Inferno frio, quente-frio.

Brasil 2 x 1 Croácia

Então vamos…
Se é pra ser com o Galvão Bueno, que seja, ainda assim, vamos.

Hrvatska. Australia. Nihon-koku.

Sete jogos até o fim. Até o sexto título mundial.

Àqueles que dizem não gostar de futebol, que inventam outras coisas pra fazer nesses dias, meus pêsames. Vou ali me divertir. Ser o melhor do mundo, ser admirado por outros mundo afora. Não sou eu? É a seleção? Meu velho, são brasileiros. Eu sou brasileiro. Me orgulho disso. Torcerei. Acintosamente. Ao ponto de te incomodar.

Cada país identifica-se como tal por algum motivo seu. Se ser brasileiro passa por ser, inclusive, torcedor da seleção nacional de futebol, enfeitar a casa, a rua, o carro, chorar, se enrolar na bandeira e cantar o hino, ótimo! Alguns se identificam pela guerra, pelo ódio a outros povos, por jamais esquecer dores e dissabores passados. Nós somos os melhores no futebol e eu me orgulho disso. Tanto melhor, creio eu.

Não entende esse clima? Só me resta lamentar e sugerir que encontre outro lugar para viver…

Como tudo não poderia ser simplesmente perfeito, temos a transmissão a cargo do Galvão Bueno. Mas, veja, para isso inventaram o botão mudo da TV. Olha! Falta muito pouco pra perfeição…

Bom, fui. Boa sorte pra todos eles… nós, melhor dizendo, todos nós. =)

Again

Por que essa saudade não morre? Por que a dor nunca diminui? Quando dói, é sempre com a mesma força… Me enlouquece, me consome, me tortura. Eu não quero – e de que adianta não querer? Eu me mudo – e de que adiantam as mudanças? Eu insisto – e tenho me perguntado, assustado, se realmente deveria insistir tanto.

Sim, eu sei, hoje é dia 12 de junho, o famigerado Dia dos Namorados, e essa reclamação toda pode parecer sintomática de um solteiro eterno, mas não é. É algo que vem me perturbando ultimamente. Me toquei que hoje era Dia dos Namorados apenas quando entrei no MSN e vi os choramingos das outras pessoas, querendo que a data não existisse e tudo… Ia tudo bem. Mas mudou e a dor voltou – como sempre volta.

Sempre volta, não importando quantos Thiagos eu seja; não importando quantas fugas eu crie; não importando quantas vezes eu tenha tentado enfrentá-la… Ela sempre volta e me derruba.

É uma saudade infinita de um tempo que-eu-nem-sei-quando, de uma profundidade que não tem razão, fria e ácida. Má. Saudade má.

Quero explicações, ajudas, colo… Céus, colo.

Arranhando paredes

Às vezes me pergunto por que não acreditar em Deus. Pergunta difícil, bem sei; cheia de respostas e de uma profundidade imensa. Nâo tenho nenhuma certeza. Bom, só uma: preferia acreditar. Não é bom não acreditar, não conseguir acreditar – não é birra boba (“Não acredito!” *mostra a língua*), é incapacidade de ir além de um ceticismo lógico-burro proibitivo.

Sei também que se precisasse justificar o ceticismo, usaria um exemplo que vive aqui em casa. Uma senhora, 82 anos, vítima de um atropelamento, minha tia-avó, católica apostólica romana, praticante e temente (enquanto pôde). Não fosse o atropelamento ter acelerado o processo, mais dia menos dia teríamo-la na mesma situação que se encontra hoje, por conta de um mal de Alzheimer que caminhava pelas sombras do seu cérebro.

Não me parece uma troca justa. Pode parecer exagero, mas eu sei o quanto me dói ter que repetir pra ela, todas as noites, que a mãe dela está morta, que seus irmãos estão mortos, que essa casa é agora a casa dela e que ela precisa dormir, porque ela nunca se acalma, vive em uma eterna agonia de não saber notícias dos familiares, de não saber onde está, de se esquecer de tudo e todos e relembrar tudo e todos a cada segundo.

Uma vida renegada em favor de outras pessoas, dedicada a ajudar outras pessoas, vivida dentro de igrejas (e não é uma crítica dirigida à Igreja, obviamente), uma mulher sem máculas – morrendo aos poucos, definhando, regredindo, murchando… Cadê Deus? Nisso? Sofrer para merecer algo melhor depois, me dizem. Mas se vivemos agora, qual o sentido de sofrer para um depois melhor?

Talvez não haja um sentido transcedental. Talvez tenha sido alguém, numa noite triste de inverno feito essa minha, o inventor de Deus e do Depois. Talvez algo menos poético. Não sei… Não consigo pensar em coisas menos poéticas que possam ter inventado a esperança.

Eu juro que preferia acreditar e não precisar sofrer e arranhar a parede e chorar e lembrar dela quando cuidava de mim durante as tardes, depois da escola, porque meus pais estavam trabalhando e da comida deliciosa que sabia fazer, das histórias da fazenda de café, das risadas e xingamentos em italiano que eu nunca entendi…

Paz triste

Vontade infinita de ouvir João Gilberto. Uma única música, eternamente, naquele arranjo, apenas voz e violão. Aliás, é esse o nome do disco: “João, Voz e Violão”. É a primeira música desse disco: “Desde que o samba é samba”…

Eu busco (sim, infelizmente tornei a buscar, não resisti) a moça que queira se sentar comigo numa noite fria de inverno lá fora – no quintal mesmo, não precisa ir longe – pra ver o céu. Simples assim: ver o céu, admirar as estrelas, brincar com elas, as enormes possibilidades, a poesia inerente a um céu estrelado… É simples pra quem sabe. Achei quem soubesse (e quisesse) uma única vez. A vida, nas suas injustiças, não me permitiu a moça. Deu-a a outro rapaz, mais sortudo, mais feliz por conta disso.

Então eu procuro. Vou trilhando caminho longo, sozinho.

Há um sorriso, uma boca, um som, risadas gostosas, que não me saem da cabeça. Uma pergunta que reverbera interminavelmente, também: “Por que não?!”; e resposta, nenhuma.

Vivo porque sinto. Sou feito de sentir – e quando isso não é cruel, me faz acordar pela manhã com um alívio tremendo no peito assim que ele se dá conta de que não bate em vão. Disperdiçar coração não é correto. Viver apenas por si, não é justo – consigo, principalmente.

Ouço João Gilberto (“… cantando mando a tristeza embora…”) e sorrio. Sorrio porque apesar de tudo e tanto, nunca me tornei insensível. Teria morrido de tristeza se já não me animasse à simples possibilidade de um sorriso. Murcharia. Definharia. No entanto, resisto e vivo pra ver sorrisos.

Aprendi a não morrer por eles – mas a viver para vê-los. E nisso encontro motivos para sorrir ao ouvir João Gilberto ininterruptamente.

Se não faço sentido, por favor, me perdoe.