Era um senhor gago que vivia com sua esposa numa fazendola, num pequeno vilarejo há alguns quilômetros de Londres. Todos os dias, assim que se levantava e alimentava seus pássaros, Robert D. Rimpley – esse era seu nome – corria para a frente do rádio, afim de ouvir as notícias do mundo pela BBC, que ali, tão próximo à cidade, recebia-se de modo tão alto e claro que chegava a dar a impressão de que os locutores estavam na sala ao lado.
Quando o jornal terminava e ele tomava um susto (sempre o mesmo susto) ao fitar o relógio-cuco suíço na parede oposta, chamava sua mulher com três batidas fortes do assoalho de madeira. Esse código fora combinado muitos anos antes, porque a mulher sempre chegava antes dele terminar seu nome… Não havia nada que o irritasse mais do que isso: as pessoas adivinhavam o que ele pretendia dizer – odiava ser tão previsível. Então, como ele levava menos tempo chutando o chão do que recitando o nome da esposa, acharam por bem evitar aborrecimentos e trataram de firmar o acordo.
A mulher vinha calmamente da cozinha, ressindindo a bacon e ovos, passava por Robert e se encaminhava até a varanda do casebre. Lá, estendia uma bonita toalha sobre a mesa de madeira maciça (feita por ele mesmo, um excelente carpinteiro, diga-se de passagem), dispunha xícaras, pratos, talheres e apetrechos que tais, para que o homem viesse tomar seu café em paz.
Sentavam-se à mesa, um ao lado do outro (como não era o costume) e passavam agradáveis minutos apreciando seus respectivos desjejuns. Esse ritual só era quebrado nos dias de chuva, o que, convenhamos, eram muito freqüentes. Se a luz do sol não brilhasse nos olhos de Robert assim que ele despertasse, todo o programa tinha que ser revisto. Ao invés da mesa na varanda, o café era servido dentro de casa, ao lado do rádio – ocasião na qual comiam ao mesmo tempo que ouviam as notícias vindas da capital.
O resto do dia era sempre uma surpresa. Porque trabalhar numa fazenda (ainda que pequena) faz com que os dias nunca sejam iguais. Por vezes a vaca resolve estar num mal dia e escolhe não dar nem uma gota de leite, os porcos e as galinhas são também temperamentais – se bem que os primeiros, além de cheirarem mal, se conformam com qualquer coisa. A pensão que o velho recebia como indenização por seus serviços prestados durante a Grande Guerra lhes conferia um discreto relaxamento quanto às questões financeiras: não eram ricos, mas sobreviviam sem maiores dificuldades.
Tinham dois filhos, um casal. A moça casara-se há pouco tempo e se mudara com o marido para Berlim, onde ele exercia funções administrativas no governo de lá um tanto quanto obscuras, segundo Robert – que, aliás, nunca confiara naquele loiro aguado. O mais novo, Jack, estava em Oxford, na universidade. Era um menino de ouro, e, segundo a mãe lera na última carta que havia enviado, estava de olho numa mocinha que estudava por lá e parecia ser de boa família – de Gales, a moça, se não me falha a memória.
Não tinham a menor intenção de sair daquele lugar. Quando se viam obrigados a ir até Londres – por motivo de consulta a algum médico de Emma (esse era o nome da esposa) – faziam sempre da maneira mais objetiva possível. Estudavam acuradamente o metrô, para saber em qual estação deveriam descer e tudo. Nunca saíram da Inglaterra depois do fim da Guerra. Robert combateu na Dinamarca e na França, mas desde aqueles tempos duros nunca mais quis sair da Ilha. A última viagem a passeio que fizeram juntos foi por volta de 1952, quando foram assistir à coroação de Sua Majestade a Rainha Elizabeth II. (Emma insiste em não chamá-la assim; uma querela qualquer que tem a ver com o fato de na Escócia nunca ter havido uma Elizabeth I: baboseira.)
Se todos morrem numa ecatombe nuclear no fim dessa história? Não. É uma história com final feliz… Posso muito bem acreditar que se você for até esse pequeno vilarejo no arredores de Londres, encontrará um casal de senhores sentados à varanda, cada qual com sua xícara de chá a qualquer hora do dia.