Quanto tempo o tempo tem?

Era um filme qualquer – provavelmente com atores renomados e muito conhecidos. Um deles, com feições orientais, disse o seguinte quando um outro lhe avisou que “não daria tempo”:

O que é esse tempo, afinal? Os suíços o inventaram, os franceses o estocam, os italianos o desperdiçam, os americanos dizem que é dinheiro e na Índia ele nem existe. Pra mim, esse tempo é um safado.

De todas as coisas, acho que é essa a mais relativa. Por exemplo, uma semana em Belo Horizonte – bebendo, rindo, brincando e tudo mais – dura menos do que uma aula chata – que eu esteja assistindo ou que eu mesmo esteja dando. É um fato.

Acho que é uma boa hora pra explicar mais ou menos as categorias para posts que já existem. Frutos de uma mente perturbada onde pululam incessantemente idéias e coisas criativas sem sentido algum.

  • dos pequenos devaneios: estórias, histórias… tudo um pouco, muito timidamente.
  • la comedie des jours: e vai passando a banda…
  • lá da caixa…: os posts antigos, que vieram importados. como são muitos, vão ficar classificados assim, por enquanto.
  • maan piirtäminen: essas línguas fora do tronco indo-europeu me fazem ter orgasmos (intelectuais). geografia, em finlandês. ah, é disso que trata a categoria: geografia.
  • ode à memória de peixinho dourado: pra anotar as coisas que eu vou lembrar só depois.
  • recomendações do tio: músicas, filmes, livros, patês e massas variadas…

Acho que é uma boa hora pra explicar mais ou menos as categorias para posts que já existem. Frutos de uma mente perturbada onde pululam incessantemente idéias e coisas criativas sem sentido algum.

  • dos pequenos devaneios: estórias, histórias… tudo um pouco, muito timidamente.
  • la comedie des jours: e vai passando a banda…
  • lá da caixa…: os posts antigos, que vieram importados. como são muitos, vão ficar classificados assim, por enquanto.
  • maan piirtäminen: essas línguas fora do tronco indo-europeu me fazem ter orgasmos (intelectuais). geografia, em finlandês. ah, é disso que trata a categoria: geografia.
  • ode à memória de peixinho dourado: pra anotar as coisas que eu vou lembrar só depois.
  • recomendações do tio: músicas, filmes, livros, patês e massas variadas…

Casa nova.

Se eu tenho uma explicação convicente pra mudança? Acho que não. É só que eu gostei das coisas todas que o WordPress oferece e já estava cansado do Blogger e… nah! Mudar é sempre bom.

Bem vindos.

PS: Os comentários antigos continuam no Haloscan e eu ainda não sei se consigo transferi-los pra cá. Vou tentar. Se não conseguir, perdoem a falta de jeito.

Ainda viajando

Esta viagem última que fiz a Belo Horizonte foi arrebatadora em muitos sentidos. Conheci milhões de pessoas em duas dezenas delas – me aprofundando em quatro, que conviveram mais amiúde comigo durante os dias todos. Adorei a cidade e a vida que se vive na cidade. Mas de tudo, o que mais me tocou lá e depois, já aqui de volta, tornou-se um problema foi justamente a constante presença de pessoas em volta, ali, disponíveis para a conversa, para o abraço, para a brincadeira… Vendo todas as coisas que aconteciam à minha volta – coisas absolutamente “normais” e “naturais” para as outras pessoas –, percebi o quanto me tornei um alguém frio, seco, distante. Não estou reclamando, só me reconhecendo depois de alguns dias de observação.

Eu que já me considerava um cara aberto e acessível, descobri que sou justamente o contrário disso: fechado em minha muralha. Adoro abraços, mas transformei-os em um ritual exclusivo de determinados momentos significativos demais – despedidas, chegadas, tristezas profundas, alegrias raras –; nunca me dispus a um abraço despretensioso. É para o que ele nasceu também, penso agora. Na verdade, é maior que isso. É mesmo a minha incapacidade de tocar outras pessoas. Não por qualquer bobagem injustificável, mas apenas por não saber como. As pessoas se chegavam até mim, me tocavam, faziam carinhos nas mãos ou nos braços, me enlaçavam pelos ombros, pediam carinho e eu, no máximo, repetia seus gestos. Nada, no entanto, partia de mim. Sempre ouvi que os brasileiros são famosos por tocar os amigos, os parentes, os desconhecidos na rua enquanto falam, tornando a relação intra-pessoal algo íntimo no primeiro encontro… e de certa forma, me orgulhava por fazer parte de um povo tão desbragadamente afetuoso. Ledo engano. No meu caso, pelo menos. Mantenho-me distante, na maioria das vezes. E não é o caso de “ser paulista”; meu amigo, igualmente paulista, lidou muito bem com tamanha expressão de afeto. É problema meu, mesmo.

Mas teve mais. Coisas que a gente vai percebendo conforme os dias passam e a reflexão fica menos emocional, dominada que esteve pela saudade infinita.

Eu dancei. Me libertei de vergonhas e dancei. Numa noite, encontrei uma moça sentada num banco, no meio do salão e, inacreditavelmente (para mim mesmo), convidei-a para uma dança. Se ela aceitou por ter gostado do meu jeito ou porque a ética do forró proíbe que uma dama rejeite o cavalheiro que lhe chega de mansinho e a tira pra rodopiar, pouco importa. A minha atitude foi a surpresa. Antes disso, eu dançava escondido na multidão semi-iluminada das casas noturnas, embalado pela loucura das músicas eletrônicas. Lá, naquele salão muito bem iluminado (ainda que preservasse os detalhes das identidades, mantendo o charme da coisa toda), ela olhou nos meus olhos e ouviu completamente meu convite envergonhado, aceitou e se levantou, me levou pro meio da pista, onde outros amigos e amigas dançavam (que também me viam), me olhou nos olhos novamente e sorriu. Depois disso, dançamos. Sem toda a exuberância daqueles que já aprenderam (digo por mim, já que ela sabia muito bem o que fazia e o que estava deixando de fazer), mas dançamos. Dois-pra-lá, dois-pra-cá. E foi ótimo. E ali, com aquela menina, eu descobri um Thiago novo, um momento-Thiago novo.

Teve mais. Mas o que teve não vale a pena contar. É podre demais.

Ah!

Além de tudo isso, essa viagem serviu como um marco das mudanças que vêm acontecendo ultimamente. A principal delas, meu início numa nova escola, como professor de Geografia. Começa mesmo na segunda-feira, com alunos e tudo. Não é a minha primeira vez numa sala de aula, mas está sendo diferente – ansiosamente aguardado.

Dois-mil-e-sete promete…

Acaba mas até continua.

Daí que mudou o nome. Não há momento mais oportuno pra me lembrar de que as coisas acabam (porque acabam) pra logo depois recomeçar – então, elas continuam. Simples assim.

Idéia da Luciana. Aprovado pela Ana.

Ia abrir outro blog, noutro espaço, mas mudei de idéia. Quero agora só acertar as cores nesse aqui, eu acho.

Belo Horizonte, Janeiro de 2007

Vocês todos me deixaram por BH, espalhado em cada cantinho da cidade por onde passamos, vivo na memória da cidade que ainda vai me rever muitas vezes, quero crer. Hoje eu sei que vivo em BH, em Limeira, em Petrópolis e em Budapeste. Sou um pouco de cada um de vocês e me completo naquilo que cada um imagina que eu seja, porque eu mesmo não sei. Me redescubro em cada um. E por isso prezo tanto as amizades que construo pela vida. Se tiver que ir ao Inferno e voltar de novo, eu vou. Nunca duvide da minha amizade, porque é nela (que ofereço humildemente a cada um de vocês) que eu me reconheço. Sem vocês, sem meus amigos, eu não teria porque estar vivo.

Eu sou o que o mundo me faz ser. Se sério demais, se triste demais, se de poucos sorrisos e poucos abraços, me perdoem – prometo que vou mudar. Melhorar. Vocês que me emocionam a cada segundo, quando me dão um beijo estalado na bochecha ou quando fazem um carinho singelo nas costas da mão, quando não desistem de mim nem por decreto, quando procuram me entender… É isso o que eu sou: “o último homem no dia em que o Sol morreu”. Um poeta que nasceu no século errado. Vai ver é por isso que eu me sinto tão bem em Ouro Preto.

Acaba, mas até que continua.

Viajando

Indo para Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Uma semana fora e, na medida do possível, desligado. Quando voltar, a vida recomeça (pelo menos até o Carnaval) e, quem sabe, mudanças mais drásticas no blog.

Mas só “quem sabe”… Porque, eu mesmo, não sei nada. Vou tentar descobrir depois.

Até.

eu sei…

Quando aquela criança sorriu e brincou na grama, onde eu estava? Quando o pai explodiu de felicidade ao ver o filho marcar seu primeiro gol, onde eu estava? Quando a moça mal se agüentou nas pernas ao ver seu quadro pela primeira vez numa galeria, onde eu estava? Quando os fogos espocaram e um ano morreu pra que outro nascesse, onde eu estava? Quando o rapaz sentiu que era ela, que enfim tinha chegado a sua hora, que não seria mais preciso chorar à noite, sozinho, onde, onde eu estava?

Dá vergonha de chorar. O ano está só começando… E não tem nada que justifique. É só uma coisa ruim aqui dentro. Voltou e eu não sei por quê. Um gelo na barriga, uma tremedeira e uma dor que dói nos braços… Parece uma faca entrando na carne.

Qual é a graça de ver um pôr-do-sol, o mais lindo, se é sempre sozinho?

Tanta coisa muda… Menos isso.

When the spring is cold
Where do robins go?
What makes winter lonely,
Now at last I know.

É só vontade de chorar. Não tem nada errado…

sobre a música do mundo

Bom, melhor eu avisar antes. O que você vai ler, se ler, aqui embaixo é um ligeiro esboço de algo que tem ocupado minha cabeça nos últimos dias; algo que eu, pretensiosamente, chamei de “teoria” dias atrás, mas que não é nada além de uma observação despretensiosa de fatos que foram se sucedendo à minha volta. E, eis o aviso, o texto conterá expressões e palavras que podem fazer certas pessoas revirarem os olhos e me considerar um caso perdido. Então, me poupe de comentários desagradáveis; se você quer discutir civilizadamente, fique à vontade, estamos aí pra isso; agora, se a intenção é só me chamar de burro e seguir adiante, não gaste meu tempo à toa. Pronto, aviso dado.

Antes de tudo, ouve essa música:

Essa música é de um grupo chamado Kapela ze Wsi Warszawa. Esse nome todo traduzido porcamente para o português torna-se algo como Banda do Povo de Varsóvia. Essa banda, como o nome sugere, trata-se de um grupo polonês que, em seu último disco lançado, Wykorzenienie (Desenraizando, 2005), viajou por todo o interior da Polônia em busca de elementos musicais tradicionais, que eles registraram e depois utilizaram na produção do disco. Aqui, um outro exemplo.

Os elementos que o grupo buscou, segundo explicou o líder da banda, o músico Wojciech Krzak, são fragmentos de tradições musicais sobreviventes nos lugares mais ermos do país. Isso tudo, esse trabalho todo de gravação, pesquisa, tratamento, fora as longas viagens, surgiu como uma necessidade diante dos olhos desse pessoal, mas isso eu explico mais embaixo.

Essa banda polonesa, assim como alguns outros artistas ou grupos que eu tenho descoberto recentemente através da internet fazem parte de um estilo musical imenso e muito poderoso conhecido como World Music. Além de ser mais uma das muitas etiquetas que usamos para identificar as produções musicais – de modo a conseguir, racionalmente, correlacioná-las e entender sua gênese, inter-relação e conseqüente evolução –, essa pode ser vista sob outro ângulo, não tão reduzido assim.

Acho que antes de falar o que de fato pretendo, vou dar mais alguns exemplos das músicas que tenho ouvido e que têm-me feito refletir. A maior parte das músicas tem sido (nesses últimos dias) músicas do Leste europeu, de países como a já explicitada Polônia, mas também a Croácia, a Sérvia, a Romênia… Há produções de outras partes, como, por exemplo, das geladas Finlândia e Ilhas Faroé (um arquipélago no Mar do Norte, próximo, em termos, da Islândia), da remota república de Tuva, uma das muitas entidades componentes da moderna Federação Russa, localizada na fronteira com a Mongólia (de onde, aliás, descende grande parte de sua tradição musical)…

O grupo Loituma, finlandês, que ganhou certa popularidade fora da Finlândia depois que a sua mais famosa produção, a polca “ievan Polkka”, serviu de trilha sonora pra uma seqüência em flash. Essa aqui não é tão famosa, mas é um arranjo vocal bastante bonito, em minha opinião. Aliás, a obra do grupo, formado por ex-alunos de um instituto destinado ao estudo dos ritmos tradicionais do país, é quase toda composta por arranjos vocais – três vozes femininas, uma masculina.

Aqui, o quarteto Huun-Huur-Tu, de Tuva. A tradição daquelas partes gira em torno do canto gutural, que é uma forma de emitir diferentes freqüências de sons sobrepostas através do controle dos órgãos da fala (boca, laringe e faringe). Não é um som comum e possivelmente não seja agradável para a maioria, mas é algo incrível e muito interessante.

Sorte”, na voz de Cesária Évora, uma cantora cabo-verdeana, que começou a cantar a “morna” – o ritmo tradicional de Cabo Verde (um país insular próximo à costa oeste da África) – ainda adolescente, mas que só despontou para o mundo depois dos quarenta anos, quando foi convidada a fazer algumas apresentações em Portugal. O ritmo é muito semelhante à música brasileira, bastante calcada nas percussões e na levada indolente, típico das regiões influenciadas pela presença da cultura negra. Além disso, ela canta num dialeto creole que mistura a estrutura do português lusitano com palavras africanas – bastante difícil de entender.

Bom, mas falei e mostrei tudo isso pra retornar à banda de Varsóvia. Lendo as informações da banda no site da Last.fm (um fantástico fórum para “fuçar” boa música) qual não foi minha surpresa ao descobrir que eles buscam com sua música justamente aquilo que eu supus que eles (e todos os outros) pretendiam. Ou seja, a minha “teoria” – que não chega a ser uma – comprovou-se e isso me alegrou bastante.

[Agora começa a parte que pode fazer alguns revirarem os olhos indignados.]

Os elementos culturais tradicionais ganharam uma relevância sem precedentes nesses dias que correm. Por dois motivos.

Um: as pessoas passaram a insistir nas suas raízes históricas, passaram a se apoiar nelas, a respeitá-las e a admirá-las. É um fato. A quantidade de jovens artistas que trabalham suas artes bebendo na fonte daquilo que o passado oferece é incrível. Não é raro, na verdade, é bem comum, por exemplo, encontrar bandas musicais que se descrevem como uma banda de rock alternativo que procura unir elementos deste ritmo absolutamente moderno com elementos da música tradicional do lugar onde vivem.

Essas pessoas, os artistas, sempre eles, encontraram uma maneira de tentar frear o movimento global de homogeneização das mentes. Hoje em dia (virem os olhos) a globalização procura criar modelos planetários de comportamento, intrinsecamente associados a formas bem definidas de consumo, inclusive (e principalmente) na cena musical. Todos, no mundo todo, “cidadão globais” de uma suposta “aldeia global”, ávidos por consumir o mesmo que determinados ícones consomem, menosprezando produções caseiras, que remetem diretamente à formação de cada uma dessas pessoas enquanto cidadãos e indivíduos. Então, vemos pessoas que se levantam contra isso, que se incomodam a buscam alternativas – num mundo onde a lógica é a de que não há alternativas possíveis – e reafirmam-se segundo suas nacionalidades e características geradoras.

Dois: o (virem de novo) capitalismo dessa nova fase – a financeira – percebeu nesses elementos culturais tradicionais uma nova forma de lucrar. É bem simples, na verdade.

Antes, lá no começo do século 20, a produção dava o lucro. O capitalista explorava o trabalhador e através do processo da mais-valia, via seus lucros crescerem. Nesses dias, todos queriam as novidades que saíam pelas portas das fábricas – tudo sempre igual, sem características que diferenciasse o que um tinha do que o outro tinha; o importante era que todos tivessem. Depois, por volta dos anos 50, as indústrias mudaram. Mudaram suas estruturas (que se descentralizaram: produção num lugar, administração, pesquisa e gerenciamento em outro) e também a sua relação com os consumidores. As pessoas queriam coisas diferentes, já estavam cansadas de ter sempre uma geladeira igual à do vizinho. Nesse ponto, entra em cena o setor de design dentro da indústria e a propaganda ganha uma força jamais imaginada. Todo mundo comprando aquele carro porque o espelho era alguns centímetros maior do que o da concorrente… Bons tempos.

Hoje, depois de tudo isso, num tempo em que as pessoas já não se satisfazem mais apenas com um produto minimamente diferente do que o vizinho tem, as indústrias, os capitalistas, precisam dar seus pulos pra conseguir manter a lucratividade. Hoje, o que dá mais lucro não é a produção – a engrenagem continua encaixada da mesma forma: as pessoas continuam trabalhando mais do que precisariam e esse excedente continua indo pro bolso dos donos –; mas a menina dos olhos do capitalismo financeiro é a especulação pura e simples, ou seja, é aquilo que se diz (mesmo que de fato não ocorra) sobre a empresa que conta. A Nike não produz um par de tênis – ela vende a sua marca e administra os lucros fabulosos que advém desse expediente.

Um bom exemplo de como isso funciona é uma peça publicitária que anda sendo veiculada na televisão ultimamente. O produto é uma sandália da Grendene. A garota-propaganda é a modelo Gisele Bündchen. O cenário é uma tribo kisedjê, no interior da reserva do alto Xingu, em algum ponto entre o norte de Mato Grosso e o sul do Pará. Dentro da taba a modelo recebe os cuidados de várias índias, que lhe pintam o corpo, enfeitando-a com penas e colares. Fora da taba muitos índios dançam e cantam pedindo chuva aos deuses. Quando, finalmente, a benção vem o cacique ou o pajé, não sei bem, recolhe numa vasilha um bom tanto de água. Ele entra na taba e posiciona a vasilha, de modo a que ela sirva de espelho para La Bündchen que se apronta e precisa estar linda. No fim, a voz do locutor anuncia: “Grendene, Gisele Bündchen e Projeto ‘Y Ikatu Xingu”, ou qualquer coisa assim.

Não se discute o mérito, mas sim os métodos. Se a campanha publicitária conseguir sensibilizar as pessoas para um problema tão sério quanto o desmatamento das cabeceiras do rio Xingu, ótimo. Mas, convenientemente, essa campanha vai unir o nome da firma de calçados à do projeto sócio-ambiental. E é essa a nova estratégia: um produto que tenha por trás de si alguma ação benemérita, de assistência social, de cunho ambientalista ou qualquer coisa do gênero, ganha terreno na competição eterna. Porque hoje não basta ser diferente aos olhos do consumidor; a imagem da empresa como um todo diante desses mesmos olhos é tão ou mais relevante. Novamente, não estou discutindo os méritos (ao menos não agora), essas palavras são só o relato daquilo que de fato tem acontecido.

Trazendo todas essas informações pro campo da música, que é o que me interessa, é fácil imaginar como tudo acontece. Essa mesma lógica que comanda a lucratividade da indústria como um todo, se aplica à indústria fonográfica, que, percebendo o enorme potencial das culturas tradicionais como meio de agregar valor aos seus produtos, entrou de cabeça nesses bolsões antigos e se apropriou dos elementos que os constituíam. Incluindo algumas coisas em produções integralmente relacionadas à tentativa de homogeneização cultural. Desse jeito acabaram subvertendo a própria existência das tradições, que deixaram de ser resistência para tornarem-se produto dos novos tempos.

Agora, depois de ter dito tanta coisa, de ter causado gastrites nos estômagos alheios, volto, finalmente, à banda que ensejou todo esse falatório.

A Kapela ze Wsi Warszawa, em seu manifesto criativo, diz, explicitamente, ser “a response to mass culture and narrow-mindedness”. Eu li isso depois, bem depois, de pensar em tudo o que veio antes no texto, depois, inclusive de contar para uma amiga, a Marina, e para o meu caderno. Quando li, mal pude me conter: eu estava certo.

As pessoas mundo a fora (e aqui no Brasil, com certeza, exemplos não faltam) passam a se questionar e a se incomodar com essa idéia da “aldeia global”, repleta de “cidadão globais”. É um incômodo, eu não chamaria de revolta; porque, na essência, a idéia de tudo de todos ao mesmo tempo e sem rinchas estúpidas não é má. Seria ótimo poder ser aquilo que se quer, sem ter que dar satisfações a todo o momento. Mas, no entanto, a maneira como a coisa vem acontecendo, de certa forma mina a possibilidade de isso um dia tornar-se realidade. A homogeneização da cultura mundial, a escolha por um único caminho possível, não considerando as infinitas possibilidades, estraga uma idéia que é incrível. Não se pode pensar num mundo que aprenda a conviver em paz, se esse mundo terá que fazer isso de acordo com um único modo de pensar, de gostar, de ser, de entender o mundo em que vive… Desse modo, sem se respeitar as diferenças, acho pouco provável que alcancemos estágios mais elevados de convivência pacífica.

A “teoria” era essa. Pouco pretensiosa, eu acredito. Qualquer um notaria tudo isso se passasse horas escutando músicas de diferentes países, lendo sobre a formação dos grupos, sobre a história de cada ritmo… Fica a pequena contribuição para maiores reflexões, portanto.
________

Alguns links interessantes:
At-Tambur, um site português, dedicado à “música do mundo”.
Eye For Talent, uma espécie de catálogo (bastante completo) dos principais artistas da world music.
fRoots, uma revista eletrônica e um ótimo guia pelos descaminhos para a “local music from out there” – a melhor definição para world music que eu já vi.

Summer 78

O ano começou e o que eu faço por ele é ouvir Yann Tiersen. Eu poderia sentar na cadeira ali fora e ficar olhando a chuva, passando um pouco de frio, contando os pingos um por um. Mas mentindo quando chegasse perto do sessenta. Sempre que chego ao sessenta eu conto um, dois, três, quatro, até chegar ao dez e daí eu preciso lembrar que o dez é o setenta e mesmo depois disso, continuo onze, doze, treze, até o vinte, quando, então, digo oitenta. É difícil falar sessenta e setenta várias vezes. Bom, eu podia fazer tudo isso pelo ano, mas preferi ouvir Yann Tiersen. Pra ser mais exato, ouço a trilha sonora do Good Bye, Lenin!, que foi feita por ele. É muito bonito. Não poderia se esperar algo diferente de “bonito” do Yann Tiersen. É incrível.

Tenho uma teoria pra contar qualquer dia. Já contei pra Marina e pro meu caderno. Teoria sobre música, geografia e gente. Música estranha, geografia política e gente interessante. Um dia eu conto… Está escrito no caderno, então a chance de eu esquecer é um pouco menor.

Inventei uma coisa nova nesse ano que começou ainda há pouco. Agora, é um cadernão, com folhas grandes e pautadas. E fica tudo ali. Tudo o que me venha à cabeça, a qualquer hora e que pareça ou não digno de nota, vai pra lá. Já tem algumas coisas. Duas páginas. Inclusive a teoria e um poema do Manuel Bandeira, “O Rio”, que diz assim:

Ser como um rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas no céu, refleti-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio, as nuvens são água
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranqüilas.

Tem também outra coisa sobre dois-mil-e-sete. Se dois-mil-e-seis era melhor de escrever (2-0-0-6), dois-mil-e-sete é melhor de falar.

Quero mudar o nome do blog. Chega de inglês… Quero português, simples. O quanto antes.

Ficamos assim, então, Ano. Eu me disponho, você está disposto. A você que vê de longe essa conversa minha com ele, deseje-me sorte e bons ventos.