A dor é inevitável, o sofrimento é opcional.
(Carlos Drummond de Andrade)
Ah, eu não consigo começar esse texto. Já escrevi e apaguei umas três vezes. O que eu quero dizer se resume numa frase: ame sem querer. E ela não quer dizer um amar por acaso, do tipo você, amante, tropeçando na sua amada. Quer dizer você, amante, gostando por gostar, sem esperar nada em troca, sem querer ter a pessoa amada em troca do seu amor.Penso que esse é o segredo pra não sofrer amando. Sei que deve haver uma ligação direta entre essa história e a do amor romântico embutida aqui, mas eu não sei explicitar agora. Digo apenas o que lembro no momento (e que explica um pouco a tal ligação direta): amar romanticamente implica, necessariamente, no sofrimento. O romântico ama algo que ele idealizou. Sua musa é uma criação dele mesmo e é por uma ilusão que ele se acaba. Talvez (e, veja bem, talvez) essa história de amor romântico seja uma grande cagada. E eu que sempre estufei o peito pra dizer que “sou romântico”… Aposto que alguém mais entendido olhava pro meu peito romântico estufado e pensava em estourá-lo com a agulha dourada da realidade – fria e afiada (quanto drama, oh, quanta alegria).
Se você entende que gostar não significa invariavelmente sofrer, a coisa toda fica mais leve. Além de você mesmo se sentir mais leve – porque se liberta de um fardo pesadíssimo, que é essa coisa da musa –, a pessoa a quem todo esse sentimento sufocante se destina deixa de ser esmagada por esse amor perverso.
Apaixonar-se é um fato. E mais: é um fato absolutamente irracional. Como eu posso não querer me apaixonar? Como eu consigo explicações racionais e lógicas para uma não-paixão? Como seria chato um mundo onde até isso as pessoas soubessem controlar… Daí que nada pode ser feito. A moça entra no carro pela primeira vez, você nunca a viu, está saindo de uma última paixão avassaladora (a maior da sua vida), pensa que não quer nada, com ninguém, nunca mais… Mas aí seus olhos cruzam com os dela e nesse segundo, você crê em toda aquela história de “amor à primeira vista”. Os dados são lançados. E a irracionalidade termina exatamente aqui. A partir desse ponto, tudo – lê direito – tudo o que você interpretar como um sinal “de sim” ou um sinal “de não”, como uma abertura, como uma possibilidade, como um sorriso especial pra você, como um gesto de repulsa, tudo!, não vai passar de criação da sua cabeça. Ela sorri sempre, pra todos, com todos os dentes: por que o que ela “te deu” (e será que ela te deu mesmo?) seria diferente?
Não é uma derrota perceber isso – ao menos eu não vejo assim. Pode até, quem sabe?, ser uma evolução. Tive que passar por um rol imenso de grandes merdas pra voltar a compreender isso. Sim, eu já tinha compreendido, tempos atrás. Fui obrigado a isso, porque não era eu o namorado no assento do avião ao lado dela, indo pra Barcelona e Paris (como a gente tinha combinado que seria). Agora, novamente, preciso tentar esse – qual o nome? – desprendimento[?]. Gosto dela, ela gosta dele – que não gosta dela, mas ela não pára. Então, tento parar eu. E, veja, é parar de querer ter, não parar de gostar dela. É tentar gostar sem querer ter – porque aí, penso eu, está boa parte do combustível do sofrimento.
Entende que eu preciso tentar? Não sei como vai ser nem tampouco se vai funcionar – mas eu, definitivamente, preciso não enlouquecer.