Eu não vou, já é fato. O carro consertou-se, mas não há ainda confiança no tal conserto, de modo que não verei ao vivo o jogo nem tampouco verei duas amigas. Ficarei em casa e daqui sofrerei todos os cinco mil e quatrocentos segundos regulamentares. Tenho falado muito sobre futebol. Na verdade, creio que nunca vibrei tanto com o jogo quanto faço agora. A cada qual sua época. Pensando friamente, preferia ter despertado antes, anos antes, anos que, vistos de agora, de longe, parecem mágicos, dourados. Não vivo há tanto tempo assim, desde 1984, apenas. Os mais velhos, com certeza, devem chorar com mais propriedade a passagem do tempo, que levou para sempre jogadores, jogadas, craques, seleções, times… Como vivo hoje – se apenas hoje me encontro desperto para o futebol -, é com tudo o que acontece hoje, da maneira como acontece, que preciso me virar.
Tenho medo de afirmar demais sem ter o conhecimento devido, mas sei que o futebol de hoje em muito pouco se assemelha ao futebol jogado décadas atrás. De um modo quase fantástico, décadas atrás o futebol parecia ter um caráter menos profissional do que hoje. Brincava-se em campo – ao menos é essa a impressão que tenho quando vejo, por exemplo, a seleção de 1982 jogando, aquela que teve (o saudoso) Telê por técnico, Sócrates, Falcão, Toninho Cerezo, Júnior no plantel. Posso estar enganado, claro.
Agora, sem medo de errar, uma coisa eu sei que não mudou. A paixão que sentimos por esse jogo e, principalmente, como sentimos essa paixão. É ainda a mesma coisa. Ainda que se diga contra os clubes, contra os jogadores, contra a própria administração do futebol brasileiro, apesar de tudo isso, a paixão de quem torce é a mesma. Ouço as histórias que minha mãe conta sobre o antigo Corinthians (da quebra do jejum em 1973, da invasão do Maracanã, dos toques de calcanhar do Doutor), tingidas por pinceladas fortes, típicas de uma torcedora apaixonada, e traço paralelo inevitável com histórias que eu mesmo vivi, que amigos viveram… São muito semelhantes – na verdade, só não são idênticas porque se passam em épocas diferentes, mas falo do sentimento que move tudo.
Hoje, 2006, o Corinthians é 51% MSI. A administração Dualib perpetua-se. Tem iraniano (e russo) no samba. Alguns jogadores do time não me agradam, ou como costumamos dizer aqui em casa, não são corinthianos o suficiente pra honrar devidamente o peso e a tradição de quase cem anos de clube. Os meninos de Itaquera não são mais a prioridade. E no entanto…
No entanto, por suposto, enlouquecerei amanhã. De amor, raiva, alegria, paixão, destempero, ódio, felicidade, plenitude, vazio… Não conheço nenhum outro jogo que me inspire tantas emoções – conflitantes por vezes – num espaço de tempo tão reduzido. Sinceramente, não imagino outra cena amanhã, a partir das 21h45, que não seja a seguinte: eu, sentado no sofá, mãos e pés gelados (e não por conta dos 10ºC que enregela tudo, tanto aqui dentro quanto lá fora), bandeira sobre as pernas, e mais nada. Em volta, nada, absolutamente nada. O mundo reduzido ao Pacaembu, aos dois times, à minha televisão e à minha consciência, completamente embotada e alheia a tudo o mais.
Não me peçam racionalidade nesses noventa minutos. Não me peçam atitudes coerentes. Não me peçam, sequer, calma. E veja, esse não é nem o jogo mais importante do torneio, que vai se estender até depois da Copa do Mundo. Quando digo que vou morrer, não estou brincando.
É uma vitória simples, em casa, junto de mais de 40mil corinthianos ali, cantando, chorando, gritando, xingando, mas principalmente, apaixonados pelo espetáculo e por um time – como acontece com tantos outros, é fato. Mas, vai dizer, Corinthians é sempre Corinthians.
*borboletas no estômago*