Conto I

Sempre tão grave, tão austero, aqueles senhor jamais demonstrava qualquer alegria em público. Não o viam como alguém triste – era apenas uma pessoa séria. E sério ele próprio se considerava. Por que ir contra ao que todos diziam? Quem melhor do que os outros para dizer-lhe o que poderiam achar as outras pessoas? Sério – era assim que o viam, era assim que ele próprio aprendera a se ver.

Como todos nesse mundo, esse senhor de quem falo tinha lá seus segredos. Coisas bobas, quase inofensivas, que só fazia quando se encontrava realmente sozinho. Que fosse por vergonha ou preguiça prévia das muitas explicações que teria que dar, só as fazia escondido.

Assim que chegava em casa, no fim da tarde, deixava em cima do sofá da sala os jornais comprados de manhã, a pasta com os papéis da escola (era diretor), jogava a gravata a um canto, os sapatos noutra direção… Aquele calor infernal incomodava tanto, mas tanto, que se rezasse (porque não rezava desde a morte da esposa) pediria a Deus por um alívio na temperatura – ou uma folga maior do salário que o possibilitasse comprar um novo ar-condicionado. O antigo quebrara há alguns meses, quando ainda era inverno… esquecera de arrumá-lo – e agora já não tinha mais jeito, o técnico havia dito, auxiliado por alguns termos obviamente técnicos que nosso diretor não entendeu. Divago.

Ao lado do aparelho de som antigo encontravam-se algumas, não, minto, muitas pilhas de LPs. Bolachões que a imensa maioria dos alunos da escola onde trabalhava nunca vira. Tinha de tudo – era “eclético”, seja lá o que isso for -, mas tinha especial carinho por dois ou três discos.

E, quem diria? Descalço no meio de uma sala ampla, sozinho, um copo de água com gelo e limão numa das mãos, nosso senhor sério dubla animadamente as músicas que a vitrola toca. É uma cena quase cômica. Os cabelos embranquecidos subindo e descendo, pra lá e pra cá, em movimentos bruscos, quando ele mexe a cabeça com mais ímpeto, para demonstrar fielmente toda a força do verso que um cantor cubano (tão antigo quanto os discos) declama, entremeado por chiados e estalidos, típicos dos antigos vinis.

Ai, se algum aluno descobre! Seria o fim de uma carreira construída a duras penas. Mas, claro, como alguém descobriria? No máximo pensariam que o diretor, afinal, não é uma rocha fria como todos pensam: gosta de música. Latina! Com maracas e bongôs! “Quem sabe até batuque as partes mais rápidas no braço da poltrona onde deve se sentar” – pensariam. Nada além disso. Quando o medo de ser pego crescia absurdamente, parava por alguns instantes e dava uma corrida até a janela, se encontrava alguém, costumava dar um aceno rápido e tornar ao interior da casa, fechando a cortina.

Era sério, nosso diretor. Ora como não?! Seriíssimo. (E dançava muy bien, por supuesto…)

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