não? por quê?

Eu vou votar no Sim. E são dois grandes motivos que me movem a isso – três, talvez.

O primeiro motivo, o mais grave, é não conseguir entender como as pessoas podem preferir (porque isso é questão de escolha), como podem preferir o direito individual em detrimento ao direito coletivo. Você queira ou não, você aceite ou não, todos vivemos numa sociedade e, bom, até onde eu sei, viver em sociedade pressupõe uma certa coletivização das ações e atitudes. O direito à vida é algo tão acima de mesquinharias teóricas, liberais, socialistas, de esquerda, de direita, de centro… São vidas! Pessoas! Gente! Seu vizinho! E elas morrem com tiros no peito todos os dias.

O que me assusta é a facilidade que temos (no plural, porque todos agimos assim em situações as mais diversas, não apenas agora, com o Referendo) de naturalizar essa barbárie, essa carnificina: assistir o Jornal Nacional e ir jantar, em paz, sabendo que sabe-Deus-quantos morreram essa tarde num tiroteio nos morros do Rio de Janeiro.

O segundo, que me deixa perplexo, é ver sair da boca de pessoas instruídas e letradas certezas as mais absolutas, e, no entanto, assistir ao silêncio sobre obviedades: para o quê, diabos, serve uma arma? Para matar, correto? Absolutamente correto. E para mais nada. Qual é a necessidade que você tem de tê-la?! Onde está escrito que é seu direito inalienável (?) esse de ter (!) uma arma? Quer partir para o ridículo? Vamos, então.

Pensa assim: são oito da noite e você está jantando. Ouve um barulho lá fora e, paranóico mas precavido, corre pra gaveta do escritório (para ficar nos clichês) e saca a arma. Coloca todas as balas e espera, pacientemente. De repente, irrompe pela janela do quarto de sua filha (a mais nova, aquela de cachinhos doirados) um meliante safado. Você, pai protetor, atira e mata o assaltante (devia ser um assaltante, não?). Agora vamos: desde quando, em que galáxia, isso é legítima defesa?! Você premeditou um crime! Matou com intenção de matar. Doloso? Culposo? Preciso verificar. Mas dá cadeira, xará! (Pronto, fim do ridículo.)

Há pessoas que produzem armas, e são chamadas – muito propriamente – de “industriais bélicos”. E, veja, é uma coisa lógica, somos todos capitalistas: ele produz e quer seu lucro proveniente da produção; logo, precisa vender. E como ele faz isso? Como ele cria em você *aponta o dedo*, em você *de novo*, a necessidade de ter (ter!) uma arma, como ele incute nos discursos a idéia do “é seu direito ter uma arma, para sua legítima defesa, porque o Estado não consegue fazê-lo”, você *aponta e suspira triste*, você compra.

Ou, voltando ao início, se não compra (porque não quer) defende até a morte o direito de alguém que queira poder ter essa arma. Porque, ora, é o seu “direito”. É “direito” de cada um decidir sobre seu próprio arsenal. É “direito” de cada um decidir sobre a vida de outro – que pode ser bandido, mas pode ser o amigo do seu filho; pior: pode ser o seu filho brincando de “polícia e ladrão”.

Está didático. Quem sabe assim vai…

Entenda de uma vez: esse não é um Referendo que pretende acabar com a criminalidade; esse não é um Referendo sobre o desarmamento da população; esse não é um Referendo que vai transformar o país noutro da noite para o dia.

Mas, tente ver: esse é um Referendo que poderia ser chamado “o primeiro passo” na tentativa de uma volta ao direito coletivo – de onde a gente nunca (ouviu bem?), nunca deveria ter saído. Se uma vida, uma única vida, for salva com o seu Sim, já terá valido a pena toda essa mobilização. Pessoas não são números, pessoas não são estatísticas, uma sociedade não se pode medir apenas com base em índices disso ou daquilo; gráficos são apenas visualmente agradáveis – mas não são, não são!, a realidade.

Eu voto Sim. Por mim. Por meus pais. Por meu irmão. Pela paz. Por uma única vida, se assim for.