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Há muito tempo encontrei uma quadrinha escrita por Fernando Pessoa que, com todo o respeito possível, administro em pequenas doses sempre que alguém pede para que eu me descreva. A quadrinha diz assim:

“Tenho uma pena que escreve
Aquilo que eu sempre sinta.
Se é verdade escreve leve.
Se é mentira não tem tinta.”

Está numa coletânea de pequenos versinhos que o poeta português chamou de “Quadrinhas ao gosto popular”. Gosto muito. E gosto em especial dessa porque acredito que ela me rasgue de cima a baixo, como uma foice muito afiada; me desnuda, seria o termo mais correto. Acho isso porque ela une várias coisas minhas em quatro pequenos versos. Não vale a pena desmembrar a quadrinha – ainda que eu tenha me “apossado” dela, continua a ser uma obra de um dos maiores poetas que esse mundo já viu viver, ou seja, não me acho nesse direito.

Por que dizer tudo isso? Porque para as minhas mentiras, nunca tenho um tinteiro à mão. E seguindo essa vereda de pensamento, me obrigo a dizer a você (mas uma obrigação boa): senti saudades nesses dias em que não temos conversado direito. Sei lá o que há – comigo e contigo… Deve ser trabalho – sempre é. Peço desculpas pela maluquice. Imagina! Sentir saudades? Mas se não nos falamos há o quê? Dois, três dias? (Por isso maluquice.)

Me diz uma coisa… Eu esqueci desde o dia em que você me contou – por motivos que, se bem me recordo, te expliquei – e achei de me lembrar ontem, na hora em que me deitei e atinei pra data. Você ainda tem planos de vir até Pedreira no próximo fim-de-semana? Tomara que sim… =)

Eu precisava conversar com alguém hoje. Imaginar você respondendo, fazendo caras e bocas, é bom, bem bom.

Olha só essas outras duas quadrinhas:

“Se eu te pudesse dizer
O que nunca te direi,
Tu terias que entender
Aquilo que nem eu sei.”

“Tenho um segredo a dizer-te
Que não te posso dizer.
E com isso já te o disse
Estavas farta de o saber…”

Não sei você, mas eu imagino perfeitamente qualquer uma daquelas senhoras portuguesas com seus lenços pretos de eterno luto sobre as cabeças cantando animadas essas quadrinhas e qualquer outra num dia ensolarado do Ribatejo. Bom, talvez imagine, mas sem tantos detalhes supérfluos, geográficos… Ribatejo? Oh, raios, quem mais além de mim e uma meia dúzia de lusitanos sabe que isso existe?

Outra:

“Cantigas de portugueses
São como barcos no mar –
Vão de uma alma para outra
Com riscos de naufragar.”

Tão pouca gente, mas uma história tão rica, um passado tão cheio de glórias… Admiro os portugueses. Admiro ainda mais como eles não se jogaram todos, juntos, para dentro do oceano ou do Tejo quando descobriram-se sem seu antigo poderio. Um povo de fibra, pois sim.

A última:

“Trazes uma cruz no peito.
Não sei se é por devoção.
Antes tivesses o jeito
De ter lá um coração.”

Bom dia. Dê bom dia à primeira pessoa que você encontrar depois de ler essas minhas baboseiras – e depois me conte quem foi. =)

Arranje uns minutos – sei bem o quanto eles são escassos pra você – e use esse tempinho pra perceber que dia lindo esse que vem passando. Olhe em volta e veja a maravilha que é ter mais quarenta (40?) pessoas aí, junto de ti, vivendo. Elas vivem, moça! Apesar de tudo, apesar do drama infinito que é essa vida, elas vivem! E você vive. E você é uma, e elas outras tantas, e fora daí, tantas outras (milhões delas!)… Tantos outros mundos. Cada uma dessas pessoas, um mundo. Seis bilhões de mundos num só mundo. Fantástico, não? Se você sentiu um frio na espinha quando pensou nisso, se eu consegui fazer você sentir, você me entende… Entende cada um desses arrepios que me assaltam sempre que eu penso em mais cinco bilhões, novecentos e noventa e nove milhões, novecentos e noventa e nove mil, novecentos e noventa e oito mundos. Oito? É. O seu mundo – não inteiro, claro: uma parte bem pequena – eu levo aqui comigo. São mundos, pessoas, sentimentos, sensações, amores! Seis bilhões de amores! Não perca isso de vista… Por você; mas pelos outros também.

Desculpe a falação.

Agora vá, trabalhe. Depois do almoço, escove os dentes. Quando estiver voltando pra casa, brinque com outras pessoas, noutros carros, nas ruas. Faça-as sorrir. Isso se torna tão simples quando é você quem tenta… Eu vi eles sorrirem. =)

Beijos, todos eles.

Thigo.