22

Quando fui tirar dinheiro num caixa eletrônico do Banco do Brasil, lá em Jundiaí, na quarta-feira, recebi uma mensagem na tela me felicitando. Não consegui prestar muita atenção porque corria, estava atrasado, tentando chegar à rodoviária da cidade a tempo de pegar um ônibus que me deixasse em Campinas o mais rápido possível porque tinha prova na faculdade. No fim, me atrasei mesmo, cheguei meia hora depois do início do teste… Ninguém reclamou.

Tinha saído do cursinho onde dou aulas, subido a ladeira e chegado ao farol, esperava ele abrir quando encontrei um dos meus alunos e me lembrei do dinheiro pra passagem. Ele me disse qualquer coisa sobre um projeto de documentário que pretende mandar pra TV Cultura e que gostaria de contar com a minha ajuda, enquanto me levava até a agência do banco. Naquele dia eu ainda tinha 21 anos – e era professor e conversava com um aluno e era aluno, correndo pra fazer prova.

Costumo pensar no dia do meu aniversário como sendo o fim de um ciclo – o que de fato ele é. Um ano que termina e recomeça. É a hora do balanço final, de ver o que aconteceu, de repensar, de me acalmar, sentar e principiar o processo que me leva a me entender mais um pouco. (Diria “pouquinho”, mas não gosto de diminutivos, me parece que fazem com que tudo perca a força, não sei…) O ano que começou no décimo sétimo de abril de 2005 e termina hoje, em 2006, me dá o que pensar pelo resto da vida. Não vou resolver nada agora.

Quando percebo que não sou o mesmo, me admiro. Isso mesmo: admiro a mim. Apesar de tudo, sigo. De tudo, todos. Todas. Muitos. Vivo dizendo que sou solitário (e sou mesmo, por conjuntura de circunstâncias passadas, culminando nesse presente), mas nunca estou sozinho. Por não estar sozinho, por poder contar com gente que está ao meu lado, o processo todo fica mais fácil. Sorrio ao pensar que alguns realmente gostam de estar ao meu lado. Sorrio sinceramente.

No momento da retrospectiva todos os momentos se nivelam (em mim) num sentimento meio uniforme de “vieram, vivi; vivo”. Encaro a vida como se estivesse aqui para aprender. E o espírito de aprendizado me liberta de sentir remorsos, mágoas, ódios. Porque, se eu estou aqui pra isso, não me custa achar que outros também estejam – e que têm o direito de errar, como eu espero ter. O que foi difícil acabou me ensinando por outros meios – mais ou menos válidos, sei lá, mas me ensinou. Levo a vida de um jeito leve. Ainda que os monstros que habitam em mim insistam em pôr a carranca fora vez ou outra, na maior parte do tempo, vivo bem.

Hoje, diferente de há um ano, administro certas responsabilidades que me põem em situações novas, me impedindo de cultivar certezas antigas, arraigadas, meio apodrecidas. Acho que vivo melhor, liberto que estou de algumas paixões (no sentido aquele outro, de desgostos, mágoas).

O que sei? Sei que preciso de um novo diário (me restam apenas três páginas); sei que me acompanha uma pequena mayfly todos os dias – sentindo o que sinto, sumindo quando durmo (levando tudo embora), voltando quando acordo –; sei que quero aprender o que puder e ensinar quanto quiserem (mais do que nunca) e, por fim, sei que venci a tristeza – imagino que a maior delas, capaz de me destruir num estalar de dedos.

De resto, que continue sendo o que é: resto.