Finnegans Wake. Será assim o nome? Não sei. Quem d…

Finnegans Wake. Será assim o nome? Não sei. Quem diabos foi Finnegans Wake? Personagem de algum escritor irlandês? Marca de cerveja irlandesa? Nunca li Joyce. Tenho muita vontade, mas nenhuma oportunidade. Se um dia o livro me cair nas mãos, acho que o devorarei… Que construção mais feia “o devorarei”, mas é menos pior do que “devorá-lo-ei”. Mesóclises têm sua hora. Enfim, o fato é que esse nome “Finnegans Wake” (completamente por minha conta, não tive nem a pachorra de fazer uma busca no Google com esse nome pra ver se ao menos a grafia está correta), esse tal nome não me sai da cabeça. Aliás, a última cerveja irlandesa que provei me fez lavar a boca com soda cáustica por uns bons dias… Horrível. E veio com uma esfera dentro da lata – isso, como nos sprays. Só faltou um aviso “Agite antes de abrir”. Ou talvez não tenha faltado, eu é que posso não ter visto mesmo. Sou muito distraído, senhores, muitíssimo – se me permitem a digressão na linha de raciocínio, se é que podemos chamar aquilo que houve de “linha”. Bom, mesmo a mais torta das linhas, segue sendo linha. Então, bem, linha de pensamento e não discutamos mais, caros colegas. Escrevo isso bêbado – falaria isso se alguém me ouvisse agora, mas não há ninguém. Provavelmente acordei um ou outro com o estalar das teclas, mas ninguém se dignou a vir ouvir-me, caro colega. Bêbado de sono, de fome, de… não, nada de cerveja irlandesa pra mim. Como se chamava mesmo? Guinness? Será que escrevi certo? Será que se eu chegar em Dublin e disser que odiei a cerveja deles serei espancado? Qual é o fim de Ulisses? Ele todo se passa num só dia, não? Dia 16 de junho? Julho? Não sei. Não li. Mas lerei. Um dia. Talvez no dia próximo àquele em que eu tenha algum dinheiro sobrando e possa pensar sem ilusões na possibilidade de ir passar o reveillon em Paris ou na outra possibilidade que aventamos, sabe qual?, haha, ir a Barcelona, pra que eu pudesse ver de perto a Sagrada Família. Hoje não posso. Nem ler Ulisses nem ir a Paris ou Barcelona. Há quem possa! Sim! Que maravilha de mundo esse em que uns podem, outros padecem. Me chame de utópico! Adoro ser chamado de utópico pelos que não me conhecem! Se a utopia for, como eu penso (e quem sou eu pra pensar em alguma coisa), eu dizia, se a utopia for, novamente, como eu penso que ela seja, um troço (porque eu li Saramago – tive tempo! – e ele usou a palavra “troço” sem mais pudores, uso-a eu também), pois então, um troço que engendre sonhos, quero mais a utopia de um mundo de (ao menos) oportunidades iguais, do que essa realidade torpe que eu assisto pelas esquinas. Me chamem de apaixonado! É o que sou! Se vou mudar o mundo?! Senhores… Não consigo nem controlar a mim mesmo! Como poderia eu, depois de uma União Soviética, de um Khmer Vermelho, de gulags e Stálin, como eu poderia querer mudar o mundo? Não posso. Nem quero. E quem quer, assim, de cima pra baixo, mudar o mundo, é um utópico que vive apenas de suas utopias… O que te importa? Mude o mundo. Eu só queria sentir sono, estar absorvido em troços pra fazer…

São 05h51 da manhã, senhores. Galos cantam… Daqui a pouco o mundo acorda…

Boa noite…

outro e-mail…

Há muito tempo encontrei uma quadrinha escrita por Fernando Pessoa que, com todo o respeito possível, administro em pequenas doses sempre que alguém pede para que eu me descreva. A quadrinha diz assim:

“Tenho uma pena que escreve
Aquilo que eu sempre sinta.
Se é verdade escreve leve.
Se é mentira não tem tinta.”

Está numa coletânea de pequenos versinhos que o poeta português chamou de “Quadrinhas ao gosto popular”. Gosto muito. E gosto em especial dessa porque acredito que ela me rasgue de cima a baixo, como uma foice muito afiada; me desnuda, seria o termo mais correto. Acho isso porque ela une várias coisas minhas em quatro pequenos versos. Não vale a pena desmembrar a quadrinha – ainda que eu tenha me “apossado” dela, continua a ser uma obra de um dos maiores poetas que esse mundo já viu viver, ou seja, não me acho nesse direito.

Por que dizer tudo isso? Porque para as minhas mentiras, nunca tenho um tinteiro à mão. E seguindo essa vereda de pensamento, me obrigo a dizer a você (mas uma obrigação boa): senti saudades nesses dias em que não temos conversado direito. Sei lá o que há – comigo e contigo… Deve ser trabalho – sempre é. Peço desculpas pela maluquice. Imagina! Sentir saudades? Mas se não nos falamos há o quê? Dois, três dias? (Por isso maluquice.)

Me diz uma coisa… Eu esqueci desde o dia em que você me contou – por motivos que, se bem me recordo, te expliquei – e achei de me lembrar ontem, na hora em que me deitei e atinei pra data. Você ainda tem planos de vir até Pedreira no próximo fim-de-semana? Tomara que sim… =)

Eu precisava conversar com alguém hoje. Imaginar você respondendo, fazendo caras e bocas, é bom, bem bom.

Olha só essas outras duas quadrinhas:

“Se eu te pudesse dizer
O que nunca te direi,
Tu terias que entender
Aquilo que nem eu sei.”

“Tenho um segredo a dizer-te
Que não te posso dizer.
E com isso já te o disse
Estavas farta de o saber…”

Não sei você, mas eu imagino perfeitamente qualquer uma daquelas senhoras portuguesas com seus lenços pretos de eterno luto sobre as cabeças cantando animadas essas quadrinhas e qualquer outra num dia ensolarado do Ribatejo. Bom, talvez imagine, mas sem tantos detalhes supérfluos, geográficos… Ribatejo? Oh, raios, quem mais além de mim e uma meia dúzia de lusitanos sabe que isso existe?

Outra:

“Cantigas de portugueses
São como barcos no mar –
Vão de uma alma para outra
Com riscos de naufragar.”

Tão pouca gente, mas uma história tão rica, um passado tão cheio de glórias… Admiro os portugueses. Admiro ainda mais como eles não se jogaram todos, juntos, para dentro do oceano ou do Tejo quando descobriram-se sem seu antigo poderio. Um povo de fibra, pois sim.

A última:

“Trazes uma cruz no peito.
Não sei se é por devoção.
Antes tivesses o jeito
De ter lá um coração.”

Bom dia. Dê bom dia à primeira pessoa que você encontrar depois de ler essas minhas baboseiras – e depois me conte quem foi. =)

Arranje uns minutos – sei bem o quanto eles são escassos pra você – e use esse tempinho pra perceber que dia lindo esse que vem passando. Olhe em volta e veja a maravilha que é ter mais quarenta (40?) pessoas aí, junto de ti, vivendo. Elas vivem, moça! Apesar de tudo, apesar do drama infinito que é essa vida, elas vivem! E você vive. E você é uma, e elas outras tantas, e fora daí, tantas outras (milhões delas!)… Tantos outros mundos. Cada uma dessas pessoas, um mundo. Seis bilhões de mundos num só mundo. Fantástico, não? Se você sentiu um frio na espinha quando pensou nisso, se eu consegui fazer você sentir, você me entende… Entende cada um desses arrepios que me assaltam sempre que eu penso em mais cinco bilhões, novecentos e noventa e nove milhões, novecentos e noventa e nove mil, novecentos e noventa e oito mundos. Oito? É. O seu mundo – não inteiro, claro: uma parte bem pequena – eu levo aqui comigo. São mundos, pessoas, sentimentos, sensações, amores! Seis bilhões de amores! Não perca isso de vista… Por você; mas pelos outros também.

Desculpe a falação.

Agora vá, trabalhe. Depois do almoço, escove os dentes. Quando estiver voltando pra casa, brinque com outras pessoas, noutros carros, nas ruas. Faça-as sorrir. Isso se torna tão simples quando é você quem tenta… Eu vi eles sorrirem. =)

Beijos, todos eles.

Thigo.

– Tá, calma! Eu vou dizer, mas não fica aí me ator…

– Tá, calma! Eu vou dizer, mas não fica aí me atormentando… Se você continuar, eu vou embora!
– O que mais você quer esperar? Quanto tempo mais? Olha a hora! O mundo trabalha amanhã…
– Como eu faço isso?
– Só fala! Não pode ser assim tão impossível, caramba! Meu Deus…
– Não sei… E se der tudo errado?
– O que pode dar errado?! Você tá me deixando maluco! Maluco, ouviu?!
– Ai, calma…
– Eu to calmo, porra! Pára de pedir pra eu ter calma!
– Se você continuar gritando eu não digo. Pronto.
– Ah! Claro que vai dizer. Nem que eu tenha que tirar as palavras de dentro da sua boca… Vai dizer, sim! E vai ser agora. Anda, fala!
– Não.
– Por favor…
– Não.

E não disse.

Que espécie de fim de diálogo é esse? “Não”. Simples assim. Já não me lembro direito, mas acho que depois do não eles se abraçaram… Ou coisa assim. Não consegui ver direito. Não!

(:::)


04h56 – As pessoas dormem a essa hora.

Vai chutando pedras pelo caminho, porque quando se…

Vai chutando pedras pelo caminho, porque quando se está angustiado é preciso descontar isso em algo – ou alguém. Como prefere não falar nesses momentos, chuta as pedras; que não vão querer saber por que estão sendo chutadas. (É mais fácil.)

Acabou de sair de casa. Saiu por não suportar mais estar num lugar fechado junto com seus pensamentos que – parece – poderiam devorá-lo de dentro pra fora – roendo, fuçando, esmigalhando, desfazendo… Aos que passam não dá muita importância. Em casa não ficou ninguém, porque não tem ninguém.

As pessoas que passam por ele – sempre tão apressadas – jamais desconfiam o quanto sua cabeça está longe. Anda sem saber como, sem esforço, sem raciocínio, sem rumo…

É um homem sem sombra. As crianças que passam apontam e acham engraçado – mas fora elas, ninguém mais pode (ou quer) enxergar.

a incapacidade de ajudar.

Sai de casa e volta sem querer. Viaja muitos quilômetros sem sentir o chão correr sob seu pés. Chega a flutuar – e não tem vento no rosto. Dos abraços só se recorda dos perfumes só se recorda dos sorrisos só se recorda da impossibilidade de vê-los. Come e não sente qualquer peso. Nada pra queimar o que noutro segundo não existiria – porque já não mais sentiria. Dorme. E dormir lhe faz bem; como nada mais. Vive e trabalha porque palavras vazias assim predisseram. Não fala sobre dinheiro, pra irritar quem não fala d’outra coisa. Os dedos não lhe obedecem: escrevem, impunes. A noite acompanha de longe – muitas vezes lhe recusando sua luz. Só lhe resta ser feliz; é só o que tem de si.

ain’t no mountain high enough…

É diferente. Quando eu sonho com meus alunos, meus livros, minhas aulas, minhas viagens, vem junto, invariavelmente, uma angústia muito forte de tudo estar muito distante, muito longe – e quero dizer longe no tempo, no tamanho do caminho até chegar lá: virtualmente inatingível considerando o que tenho a dar hoje.

Essa coisa, que tem nome, endereço, número de RG, cabelos negros, lábios convidativos, olhos grandes, ainda que não seja minha, ou melhor, ainda que não esteja comigo (e que por isso ainda esteja na prateleira dos sonhos), não traz consigo essa angústia.

Angústia essa que, veja, não é uma angústia má em si; muito provavelmente, é só um efeito dos arroubos pouco pacientes, muito próprios de minha idade. Mas, apesar de não ser totalmente má, em sendo indiscutivelmente angústia (que numa das definições do Houaiss aparece como um “estado de ansiedade, inquietude; sofrimento, tormento”), incomoda verdadeiramente.

No caso dela, esse incômodo não existe – porque a angústia do não-chegar inexiste. Não quer dizer que o desfecho dessa história toda venha amanhã, mas também não tem como única opção um gran-finale para daqui alguns anos. Há a possibilidade do momento seguinte, do “amanhã, quem sabe”.

O que dá mais um toque especial a essa história que nasceu especial. E tudo junto – ela, a sua presença, a possibilidade do beijo – torna a vida ainda mais vida. Uma sensação de que as possibilidades são efetivamente possíveis – escusada de antemão a redundância.

Suite para violoncelo solo Nº 6, em Ré maior (BWV …

Suite para violoncelo solo Nº 6, em Ré maior (BWV 1012). Bach. É esse um dos sons do silêncio.

E o som do silêncio – esse, de maneira especial – surpreendentemente, ou não (que me perdoem), enche cada pequeno espaço vago entre os espaços cheios. É possível ver a música fluindo pra dentro desses minúsculos vãos, chegando devagar, suave…

Permita-se ouvir em paz e perceberá que em si a música tem o mesmo efeito – de repente, como um líquido, entra por todo o corpo.

Aqui.